02/04/11

Conto individual-Filipe Gomes 2ªversão

Jon De chapéu na mão, dedo na campainha, ele olha para cima ao ouvir o som e vê o destino a vir ao seu encontro. Tinha a forma de um piano. Loyd Jon Benington atirou-se para a segurança dos arbustos que ladeavam a casa. O piano caiu onde ele há momentos estivera, quebrando-se numa explosão de madeira, libertando o seu grito agonizante de morte. Loyd Jon levantou-se e sacudiu a terra e as folhas das suas elegantes roupas. A porta da casa abriu-se pouco depois e Loyd Benginton II emergiu, observando a cena com um ensaiado ar de consternação. “Cruzes credo, Jon. Mas o que se passou aqui, meu velho?” “Ah”, responde Loyd Jon, “não lhe sei dizer, meu caro. Ouvi um som peculiar e quando olhei para cima vi este instrumento prestes a desabar sobre a minha pobre cabeça.” “Mas que acidente aleatório inesperado!”, prosseguiu Loyd Benington II. “Estávamos precisamente agora a tirar o piano lá de cima para metermos o novo. A corda deve ter-se partido. Folgo em ver que está bem, irmão! Entre, entre!” Loyd Jon olhou para cima e notou a notável ausência de cabos e roldanas. Apenas a janela da varanda aberta e dois vultos que, após espreitarem para baixo, se refugiaram no interior. Loyd Jon entrou e o mordomo conduziu-o à sala de refeições, onde Loyd e Jane já se encontravam. Loyd encontrava-se no processo de contar o incidente à esposa. Ela sorriu. “O nosso Jon teve sorte por o piano o ter avisado, não é verdade?” Loyd Jon devolveu-lhe o sorriso. “Deveras. Mas, irmão, com tudo isto nem tivémos oportunidade de nos cumprimentarmos convenientemente. Isso não pode ser!” Loyd Jon rodou discretamente o seu anel, fazendo com que uma pequena agulha surgisse na superficie dourada do acessório. Esticou a mão a Loyd que se aproximou com a sua estendida para a apertar, mas, no último instante, um olhar de horror perpassou-lhe pelo rosto. Afastou rapidamente a mão direita e agarrou a de Loyd Jon pelas costas com a sua esquerda. “Um aperto de mão que aprendi na nossa última excursão às terras do sul. É um cumprimento utilizado pelos membros de uma tribo remota para mostar afecto aos que lhes são mais próximos, não é verdade Jane?” Deslumbrante no seu vestido azul, com um colar de safiras que combinava na perfeição com o seu sedoso cabelo vermelho, Jane parecia divertida com a cena. “Gostei muito de conhecer essa tribo. Devíamos visitá-la outra vez na nossa próxima viagem.” Loyd Jon desconfiava que não existia nenhuma tribo nas terras do sul com tal cumprimento, mas não ia insultar o irmão e a sua bela esposa. “Sinto-me tocado que me tenha em tão alta consideração, irmão.” Seguidamente beijou Jane nas faces antes de se sentar à mesa. O seu assento era directamente oposto ao de Loyd. Eles olharam-se de maneira avaliadora durante alguns segundos, sem proferirem palavra. Loyd Jon esticou a mão para o extravagante guardanapo de cetim, meticulosamente dobrado na forma de uma rosa e parou antes de o agarrar. Pegando na faca, empurrou-o para o chão. Abriu-se e um pequeno escorpião, vendo-se livre, correu rapidamente em busca de uma saída ou, talvez, de alguém para picar. O mordomo avançou rapidamente e esmagou o infeliz aracnídeo com o seu sapato. Depois, como se nada de estranho tivesse ocorrido, puxou uma das cordas que pendiam do tecto para chamar uma criada. “Oh, esses bichos aparecem em todo o lado”, disse tristemente Loyd. “È o problema de se viver no campo.” “Hoje parece que só ando a evitar desastres”, observou contentamente Loyd Jon. “Sinto-me um péssimo anfitrião”, lamentou-se Loyd. “Primeiro o piano e agora isto.” Loyd Jon pegou no copo de água e levou-o aos lábios enquanto o irmão falava. A toalha de seda que cobria a mesa foi perturbada por uma mão que emergiu de debaixo da dita superficie de refeições e deixou cair um pequeno objecto no sitio onde, há meros segundos, estivera o copo de água. Loyd Jon inclinou-se um pouco para examinar o objecto. Parecia um comprimido. “A última coisa que quero”, prosseguiu Loyd, “é que não se sinta à vontade.” Ouviu-se um “Argh!” vindo de debaixo da mesa, um som semelhante ao que alguém produziria se tivesse sido inesperadamente pontapeado. A mão voltou a emergir, tacteou bruscamente a superficie da mesa até encontrar o comprimido, agarrou-o e voltou a esconder-se. “Ratos”, disse Loyd. “Ainda a semana passada mandei vir o exterminador. É o campo.” “É o campo”, ecoou Loyd Jon. “Mas, por mais defeitos que tenha, não deixa de ser belo. Vivemos ambos perto da natureza e, ainda mais importante, da nossa riqueza. Espero que o convite para uma galopada pelas suas terras ainda se mantenha, Loyd.” “Como não, meu caro? Assim que acabarmos de comer, vamos. Já mandei preparar os animais. Não há nada melhor para fazer a digestão.” Os criados trouxeram os pratos. Uma criada limpou o cadáver do escorpião. “Mandei o meu cozinheiro preparar o vosso prato preferido”, anunciou Loyd. “Espero que esteja ao vosso gosto.” Loyd Jon observou o prato de carne fumegante com suspeita. “Oh, não! Pensei que lhe tinha dito.” “Dito o quê?” “O meu médico proibiu-me de comer carne. Estou de dieta meu caro. È o que acontece quando não cuidamos da nossa alimentação. Estáis a comer o quê? Isso é um souflé? Ora ainda bem.” Loyd Jon levantou o seu prato com cuidado e foi pô-lo à frente de Loyd. Voltou para o seu lugar levando o souflé de Loyd, que começou a comer prontamente. “Que delícia. Que tal está a carne?” O anfitrião olhou para ele com ódio profundo. Durante um segundo, foi como se Jon visse o rosto do pai. Mas a pouco e pouco a expressão do irmão suavizou-se e voltou à sua antiga máscara. “Na verdade não tenho muita fome. E se fossemos dar a volta agora? Isso abre-me sempre o apetite!” Jane levantou o olhar do prato. “Os meninos portem-se bem! Nada de traquinices.” Eles riram-se. “Importa-se que eu vá primeiro à casa de banho? Pode ir já esperar-me lá fora.” Loyd observou o irmão com desconfiança. “Está bem. Não se demore.” Loyd Jon dirigiu-se à casa de banho. Abriu a torneira e lavou a cara com água fria. As mãos não lhe deixaram o rosto. Jon inclinou-se lentamente até a cabeça pousar sobre o espelho do lavatório. O corpo estremeceu-lhe com um soluço repentino, seguido por outros dois. O som da porta da casa de banho fê-lo endireitar-se repentinamente, virando-se para encarar o intruso. “Espero não interromper”, disse Jane, sempre deslumbrante. Loyd Jon esfregou rapidamente a cara com a toalha. “Não, claro que não. Como poderia eu ressentir-me da vossa presença?”, respondeu, todo sorridente. Jane avançou, agarrou-lhe a nuca com uma mão e trouxe-o até si, beijando-o nos lábios. Ele agarrou-a pela cintura e devolveu o beijo. “Sabes que só um de vocês é que vai voltar”, avisou ela, subitamente séria. “Desta vez não te podes limitar a evitar o destino.” “Eu sei.” Jane afastou-se dele e levantou a saia. Tinha uma pistola presa na meia-liga. Entregou-lha, com uma caixa de munições. “Só para equilibrar as hipóteses.”, sussurou ela antes de lhe virar as costas e sair. Loyd Jon carregou o revólver e guardou a caixa. Escondeu a arma no bolso interior, inspirou fundo e saiu. Enquanto caminhava, Jon tentou perceber como é que tinham chegado a este ponto. Ele e Loyd alguma vez se zangaram quando eram pequenos? Alguma vez se odiaram? Não. Sempre foram próximos. Isso mudara lentamente à medida que cresciam. Qual foi a causa? É claro. O pai. Loyd Benington I. Ele lembrava-se. Era a memória mais nítida da sua infância. Cada vez que partilhara algo com o irmão, cada vez que se riram juntos de algo, cada vez que mostraram afecto um pelo outro, o rosto de Loyd Benington I surgia, desaprovador. Toda a sua vida fora instigado pelo pai a competir com o irmão. Era natural que se tivessem afastado com o passar do tempo. Porque é que ele tinha feito isto? Impossível perguntar-lhe, morrera há vários anos, deixando metade das suas terras a Loyd e a outra metade a Loyd Jon. A sua ultima incitação ao conflito fraternal. Desde então que Loyd não pensava noutra coisa senão tornar-se dono da totalidade das terras do pai. Seria isso o que o Loyd pai queria? Loyd Benington I fora um homem de negócios impiedoso, obcecado em tornar-se cada vez mais rico. A dada altura teria percebido que não iria viver para sempre. Eis, então, o seu desejo. Um legado. A sua demência sobrevivia através da sua prógenie. Mas para isso só precisava de um filho. Quando é que Loyd se tornara nesta sombra do seu pai que o procurava imitar em todos os aspectos? Por um momento, Jon pensou em abdicar de tudo e fugir, fugir de toda aquela loucura. Loyd Jon saiu para o ar puro. Loyd esperava ao pé da sua montada, um dinossauro bipede de ar tranquilo. “Tomei a liberdade de mandar preparar a sua montada, irmão. Uma das minhas melhores!” Loyd Jon observou o outro dinossauro. Eram precisos sete homens a segurá-lo com cordas. A boca aberta mostrava dentes afiados e os olhos uma loucura bastante humana. “Aquilo a sair-lhe da boca é espuma?” Loyd ignorou a pergunta. “Vamos então?” “Sim, mas se me der licença, trouxe a minha própria montada.” Loyd Jon assobiou e o dinossauro que o trouxera até à mansão do irmão veio imediatamente ter consigo, esfregando o seu focinho na face do dono. “Mas esse animal trouxe-o até cá! Deve estar exausto!” “Disparate”, rematou Loyd Jon, “a minha casa não é assim tão longe. E Mr. Nibbles é muito forte, ainda tem muita energia.” Loyd encolheu os ombros e montou, enquanto os seus homens levavam o dinossauro espumoso de volta ao estábulo. “O Paul e o Stevenson vêm connosco”, anunciou Loyd. “Para zelarem pela nossa segurança.” Loyd Jon observou os dois acompanhantes. Ambos estavam já montados em dinossauros velozes, e ambos traziam espingardas e olhares ferozes. Loyd Jon viu nas suas expressões o seu destino. Mas se alguma coisa acontecesse a Loyd, eles sabiam quem é que lhes passaria a pagar os salários. Loyd Jon apertou o volume reconfortante da pistola no bolso e incitou Mr. Nibbles a correr atrás da montada de Loyd. Lembrou-se de correr atrás de um rapaz parecido com ele e escorreu-lhe uma lágrima pela face.

4 comentários:

  1. Olá, Filipe! Olha, gostei muito do teu conto. Ocorre num ambiente aristocrático, muito bom!Com um pouco de Jane Austen à mistura.

    No entanto, queria só apontar duas coisas. Na frase: "Seguidamente beijou Vanessa nas faces antes de se sentar à mesa", creio que foi um lapso, querias dizer Jane, certo? :)
    Depois, lá mais para o fim: "A sua demência sobrevivia através da sua prógene" Bem, eu não tenho a certeza... mas não será prógenie? Fui ver no dicionário e não encontrei "prógene". Também posso estar enaganada. Era só mesmo uma dúvida.

    Gostei muito do final. Continua a escrever! :)

    Ana Catarina Nº41087

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  2. Gostei muito da ideia do conto, sobretudo a forma ‘British Gentelmen’ com que os irmãos se tentam matar. Tenho só algumas dúvidas/sugestões:

    - Fica uma mentira mais verosímil, e igualmente obvia, se quando Loyd menciona a tribo lhe inventar um nome (é um comportamento normal quando se mente dizer o máximo de informação possível, para que esta não seja vaga e não levante suspeitas.)

    - O uso de dinossauros no fim parece-me desnecessário. O centro do conto é a ocorrência de situações estranhas num meio “aparentemente” normal. Sendo as montadas usadas parte do meio, destoam do resto do ambiente. Se calhar ficava melhor o uso de cavalos, selvagens e indomados por exemplo, completamente loucos e ferozes, mas que enquanto montadas são “normais”.

    - Pequeno pormenor: as pistolas de liga não tem peso nenhum, muito menos um "peso reconfortante" contra as espingardas dos inimigos.

    - Apesar de gostar muito da forma como foi criada a competição entre os irmãos, esta tem no entanto uma falha. Percebemos que Jon tem saudades dos tempos em que os dois eram amigos, e o próprio Jon pondera “fugir de toda aquela loucura”. Por que é que não o faz? Porque é que, por exemplo, não entrega a sua parte das terras ao irmãos, se a amizade que houve entre os dois é assim tão importante? Há muito mais nesta relação entre os irmãos que devia transparecer no conto

    Saudações académicas

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  3. Obrigado pelas correções, Ana. Escapou-me um "Vanessa" quando fiz a revisão do conto, vou tratar de o corrigir. A palavra correcta parece ser, de facto, "prógenie". Também vou corrigir isso.

    Caro Marcos
    Grande parte do que me indicas é absolutamente inalterável, fazem parte da história. Mas os teus sentimentos são compreensiveis. Vou clarificar:
    Tentei demonstrar desde o inicio que o personagem Loyd Benington II não é muito subtil ou, sequer, inteligente. Isso significa que ele também é incapaz de inventar uma mentira convincente em cima da hora. Jane não viu motivo para estruturar a mentira, uma vez que era óbvia. Jon é o mais astuto dos irmãos.
    A pequena pistola tinha como única função matar Loyd. Depois de morto, os seus servos preferirão servir Jon em vez de o matarem. Eles só pensam nos seus salários. Mas concordo que a frase "peso reconfortante" não está muito boa, já que a pistola é pequena. Talvez "volume reconfortante"?
    Os dinossauros são simbólicos. Com a sua presença pretendia fazer uma afirmação sobre o mundo que eu considero bastante importante. Não digo qual é, deixo ao leitor a possibilidade de retirar do texto o que quiser. Além disso, qual é a graça de ser um escritor se não podemos pôr elementos bizarros na nossa história? :)
    Concordo que gostaria de ter podido desenvolver mais os personagens e a sua relação, mas não tenho espaço. O leitor tem de perceber que Jon, apesar dos seus sentimentos acerca da situação, é rico. Sempre foi rico. Tem, portanto, um medo terrivel de ser pobre. Ele é humano, tem falhas. No final escolhe continuar a luta com o irmão, em vez de deixar-lhe as terras e fugir.
    Espero ter esclarecido algumas dúvidas.
    -Filipe Gomes

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  4. Gostei da ideia base do conto: a vontade que Loyd tem de matar o irmão e o facto de o irmão estar sempre a escapar dessa morte. Tive alguma dificuldade em ler o texto pois penso que podia estar melhor estruturado. Sugeria-te que colocasses parágrafos ao longo do texto, nomeadamente nas falas das personagens.
    Tens também alguns pequenos lapsos ao longo do conto como por exemplo uma maiúscula a meio da frase (em “Jon De chapéu na mão”) e um acento grave no lugar de um agudo (em “È o problema de se viver no campo”).

    nº 41199

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