15/04/11

Conto Individual - Confessionário

Confessionário
Estava tão longe, que só a sentia em pensar. Duas nuvens mais tarde reencontrá-la-ia. Caminhava, o homem, com a sombra do dia quente a arrastar-lhe o medo pelas costas. Como estaria ela? Como lhe pareceria ele? Cada passo que dava levantava uma questão, e seus pés pesavam por não ter resposta, e seu caminhar era cada vez mais lento. Cruzou a rua e viu um casal enamorado sentado no passeio. Olhou o céu e viu a lua a espreitar. Levou a mão ao bolso e retirou recordações. A sua foto. Transpirava memórias a partir do seu retrato. E despiu o casaco, porque o seu sol aquecia-o.
Encontrou a sua casa era quase amanhã, e ela não estava. Teria faltado ao prometido? Teria desistido pelo seu atraso? Já não conseguia rebobinar os seus sentimentos. Sufocava da sua ausência. E, agora, que esperava reatar a sua relação, encontrava-se sozinho. Utilizou a chave que ela lhe dera quando ainda se amavam, abriu a porta do prédio, subiu as escadas e entrou em casa. O hall de entrada parecia-lhe mais sujo, agreste, como se um tufão de sensações tivesse ali devastado. Olhou o mesmo espelho e viu uma cara diferente. O quão estava nublado! Levou as palmas ao rosto e vieram-lhe lágrimas às mãos. Caminhou à janela e respirou o ar da rua, enquanto gotas de água caíam em cima da sua cabeça. E reparou que chovia. Por dentro, por fora. E, pelo tempo que tempera todo o seu feitio temperamental, pensa nela e porque ela o fugiu, todo o mais sentimento que cresce, ocupa-o como um vazio. «Escreves sensações em mim», pensou.
Caminhou até à cozinha. Aqueceu um balde de chá. Bebeu goles imprecisos de coragem. Ela era o único pássaro que pousava na sua janela. Que lhe diria quando voltasse? Será que voltava? Sentou-se numa cadeira e olhou em volta. A mesma mesa, as mesmas prateleiras, as mesmas recordações quentes. Um papel amarrotado, deitado no chão. Pousou a chávena, como quem aceita uma sentença e pegou-o. De a conhecer asseada, sentiu um calafrio. Deixou-se ficar perto, mais perto, sem mexer no tempo. Desdobrou--o:
‘Meu muito querido perdoe-me a minha ausência. Está para nascer quem será mais feliz do que nós algumas vez fomos. Escrevo-lhe esta carta, enquanto as horas passam no meu relógio. Eu nunca mudarei. Para mim a hora não passa, porque eu nunca mudarei. Peço-lhe que sare a ferida que lhe criei nesta distância, prometo não mais o magoar. Padecerei sempre de ser igual, e longe de mim querer magoá-lo com as minhas frustrações. Vivo as minhas horas como uma aflição. Não me consigo estabilizar. Nunca notabilizei sentimentos, meu amor. Perdoo-lhe o seu rancor, mas prefiro viver só.’
Deixou cair o papel ao chão, como quem salta de um precipício. Sentiu todas as portas fechadas ao redor da sua alma, e um misto de sensações apoderou-se dele. Poderia ter bebido mais do seu sorriso. Mas, enquanto caminha de volta, para sair, olha uma última vez o seu rosto ao espelho e procura sentir a sua falta. Encontra-se tão vazio que nem sente saudade, o seu corpo imóvel por tê-la perdido. Os seus olhos brilham, como as estrelas lá fora, procurando dar luz a um rumo novo. Desconhece-se; sente-se dorido e consumido. Como gotas de agua baldia que ao sol se evaporam. E, enquanto abre a porta para sair, encontra-a, entrando.
Os seus olhares vagueiam, como um carrossel que carrega histórias mudas. Ela arrepende-se com o olhar. Ele aceita as suas desculpas. E, olhando-se, como quem se conhece de uma vida, beijam-se. E não se tocam. Ele sorri. Ela retribui, e molha seus lábios, afigurando uma onda que rebola na areia de uma praia feliz.
«Acho que viver é desenhar sem borracha»
«Estás disposta a dar-me a mão neste retrato?»
Penetraram-se seus olhares e seus lábios sorriram como aves reconfortadas em seus ninhos. Sim. E todo ele era impune e tinha uma história sem começo.
«Amo-te»
«Também te amo»
Ele não disse a verdade. Ela mentiu. Tudo o resto germinará silenciosamente no interior de cada um até nova explosão.
E então, abraçados com a eternidade, os dois amantes selaram o destino.

Aluno nº 40834

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Diogo, Estamos perante um conto-maravilha?
    Chego à conclusão que as nossas personagens fazem um mau uso da palavra, ou fazem dela um obstáculo. O que dizes?
    O teu conto situa-se entre a poesia e prosa numa espécie de prosa poética original e autêntica, mas com as mesmas fragilidades do “Provisória eternidade”.
    Pois é, Diogo, é curioso verificarmos como as palavras têm o poder de se misturar sendo tão díspares as motivações e as razões que nos levam a pegar na esferográfica e começar a escrever.
    Confesso, gostei do teu texto, claro que sim, embora as personagens se esfumem na imprecisão das metáforas, no seu teor demasiado poético, lírico e subjectivista. Mas se aceitarmos este momento também como um processo de aprendizagem, veremos que valeu a pena, sem dúvida, os momentos de beleza também são necessários se forem muito mais do que momentos de beleza. Este comentário serve para os dois!

    Um abraço academicamente fraterno, obrigado por este teu “Confessionário”.



    Nº 41314

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