04/04/11

Ulisses (v. 1.2)

Apresento aqui o conto já com algumas alterações sugeridas quer pela professora quer na discussão da turma. Gostava de ouvir opiniões e correcções a todo o conto, mas sobretudo a três questões para as quais ainda não encontrei nenhuma solução satisfatória.

1. As citações – A professora sugeriu acrescentar em nota de rodapé uma tradução, minha ou do Graça Moura, da epígrafe de Dante. Como não gosto da ideia de notas de rodapé em contos, e ter epígrafe e tradução no princípio do conto me pareceu inestético, pensei pôr a epígrafe em página à parte, pondo por baixo a tradução. Entretanto, como essa página estava muito em branco, não resisti a acrescentar uma segunda epígrafe, que também já tinha pensado. Perguntas: a) Para mim a citação de Dante é a mais importante, e como a de Sophia é mais imediata e perceptível, tenho medo que desvie o foco, que não se pense na de Dante. Valerá a pena manter as duas? b) eu odeio a tradução do Graça Moura, da Commedia em geral, mas deste episódio do Ulisses muito em particular (uma escolha de vocabulário que perde quase todas as ligações do episódio com toda a Divina Comédia, entre outras coisas que não vale a pena agora aqui dissertar.) Fiz por isso uma tradução própria, da qual também não estou muito orgulhoso, mas que é, dentro do possível, fiel a Dante. Mas vale a pena ter tradução? Se sim, e se tiverem sugestões de melhoria, agradeço imenso. c)Quando a minha personagem Henrique declama o poema de Pessoa, a professora também sugeriu que referenciasse a citação. Aqui uma nota de rodapé ainda seria pior que para a epígrafe. Acham que é um poema suficientemente conhecido para dispensar essa informação? Se não, alguém consegue encontrar uma maneira de inserir a informação no conto? Achei que pôr Henrique a dizer “Como diz Pessoa: Louco sim, louco etc.” é demasiado formal e parece insinuar que Sofia (e consequentemente o leitor) é burra.

2 Seguindo os conselhos da turma, procurei substituir o “prazo, pré-estabelecido ou auto-imposto”. O resultado foi: “durante um mês a pouco mais se dedicou, a urgência do tempo pesando nos ombros.” Mas continuo pouco satisfeito. Que sugerem?

3 Alterei o final, para não ser demasiado brusca a mudança de foco da narração de terceira para primeira pessoa. Preferem como está ou o original?
Desde já obrigado pelos comentários.

Saudações académicas

Marcos de Sousa Guedes

Ulisses 1.2

4 comentários:

  1. (1º parte do comentário)
    Marcos,

    Antes de mais: fico contente pelo teu conto estar a resultar tão bem!
    O teu conto interessa-me por si só e, claramente, pelas semelhança que podemos encontrar entre ele e o meu. Por agora, tentarei responder-te às questões que muito bem colocaste e depois mencionarei as parecenças com o meu conto, numa tentativa de contigo reflectir sobre temas transversais às duas narrativas que estamos a criar.

    1 A sugestão da professora, tal como referiste, parece-me obviamente válida. Para a estrutura física do teu texto concordar com o que muitos estudiosos, críticos e escritores costumam fazer, teria sentido utilizar o instrumento das notas de rodapé. Todavia, também me parece muito “inestético”. O grafismo que utilizamos na apresentação do um texto é capaz de emoldurar e ilustrar sensitivamente o próprio texto. Considerando que és tu o autor e és tu quem edita pela primeira vez o conto, penso que deves aproveitar o caso não só para reflectires sobre a questão gráfica da exposição do texto (como já estás a pensar) mas também experimentar. A meu ver, isto é muito importante nesta disciplina: nos vermos perante a edição do texto, do nosso texto. E ao reflectir e a experimentar contigo, concordo com o que dizes e com o que decidiste fazer: pôr a epígrafe numa página à parte, sucedida pela sua tradução. O facto de apresentares a epígrafe na primeira página, uma página totalmente dedicada a ela, contextualiza o leitor sem contar-lhe a história, estimulando-lhe a vontade de ler o que tens para contar. A página quase toda em branco dá-nos espaço e tempo para um silêncio reflexivo.
    a) A relação que estabeleces entre a citação de Dante e de Sophia é muito rica. De Dante à Sophia, de Sophia à Dante, as citações complementa-se de um modo inspirador. Dante, por mais que escreva no seu italiano, não indica, nestes versos, um espaço geográfico ou um tempo histórico específico, é universal, em toda a dimensão referencial da palavra. Por sermos portugueses muito sabidos da literatura nacional, aprendizes de Sophia de Mello Breyner desde o terceiro ciclo, situamos a sua escrita no nevoeiro familiar português. Dante introduz a humanidade e Sophia indicia-nos, então, a nossa possível proximidade e afectividade cultural com o conto. Parecem-me citações preciosas para a criação e leitura do teu conto. Penso que devias mencionar o nome inteiro de Sophia como autora destes versos. Ao referires-te só à Sophia e ao indicar a primeira personagem com o mesmo nome, existe uma possibilidade demasiado impositiva de relacionarmos directamente uma com a outra. A existência desta relação já é óbvia, porém, penso que poderias ameniza-la ou torna-la menos directa. Aproveito para confessar-te que os nomes Sofia, Henrique e Ulisses parecem-me demasiado simbólicos e determinantes. Já tens duas epígrafes, mais uma citação do Fernando Pessoa. Todas estas referências podem pesar a narrativa.
    b)Relativamente à tradução, tenho a dizer-te, primeiramente, que não conheço a tradução de Graça Moura e que nunca li a Divina Comédia. Posso dizer-te também que a tradução que propuseste não me encanta e não expõe aquilo que entendo da citação original. Não é tarefa fácil traduzir Dante, nem sequer três dos seus versos. Imagino que exista outras traduções em português nas quais poderás apoiar-te e inspirar-te para fazer uma tua. Desculpa-me não sugerir nenhuma. Leio, falo e escrevo italiano contudo não me sinto com domínio bastante para traduzir estes versos. Ficarei a ronda-los, se me surgir uma versão em português escrevo-ta. Penso que a tradução deve ser apresentada. Naturalmente, nem todos compreenderão italiano, quanto mais o italiano de Dante. É como se referisses três versos do Camões num trabalho escrito em italiano, ou em espanhol. Não lhe peças que compreendam totalmente, nem sequer parcialmente. Aconselho-te, então, a dar-nos uma tradução e, consequentemente, a facilitar a compreensão destas primeiras linhas do teu conto, linhas que o tornam tão entusiasmante.

    (Cristina Branco, nº37959)

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  2. (2ª parte do comentário)


    c) Concordo que a identificação do poema de Fernando Pessoa numa nota de rodapé seja um modo desagradável de interromper a densidade da tua narrativa, num hiato bibliográfico. Contudo, penso que é de grande importância referires a autoria do poema. Referir Fernando Pessoa não é, forçosamente, insinuar que Sofia é “burra”, ou que o leitor não irá reconhecê-lo. Poderias brincar com o apelido do poeta. “Pessoa dizia-me: Louco sim, louco, porque quis grandeza, qual a Sorte não me dá”. Pelo que percebi, quem o sentia era o pai de Sofia, era ela própria. É Pessoa na sua autenticidade, novamente, universal. Uma universalidade em que o pai e Sofia se encontram e a qual Henrique e o narrador compreendem, todos nós podemos compreendê-la.

    2 Ainda bem que substituíste o “prazo, pré-estabelecido ou auto-imposto”, dava um sentido formal e burocrático ao texto, que em nada corresponde ao que pareces queres cantar no conto. “Até que Henrique passou a trabalhar diariamente no barco, e durante um mês a pouco mais se dedicou, a urgência do tempo pesando nos ombros.” Na primeira leitura, esta foi a única frase que li duas vezes. Proponho: “Henrique passou a trabalhar diariamente no barco. Durante um mês dedicou-se por inteiro, com o peso da urgência do tempo nos ombros.”. Talvez possas abdicar da menção “um mês”: “Henrique passou a trabalhar diariamente no barco. O peso da urgência do tempo pesava-lhe nos ombros.”.

    3 Por fim, referir-me-ei ao desfecho do conto. Antes de responder-te à pergunta 3, gostaria apenas de assinalar duas orações presentes nestes últimos parágrafos: “(…) resolvi-me enfim passar a escrito a história que tantas vezes aqui me contou, em tardes de Domingo a frente das ondas (…)”, talvez trocaria por algo mais simples como “decidi, por fim, escrever a história que tantas vezes contou-me em tardes de domingo, aqui, a frente das ondas”; “Agora que pensava a história terminada (…)”, mais uma vez, arriscaria substituir por “Ao pensar que a história já tinha terminado”. Agora sim, tentarei responder a tua pergunta. Desde que li a versão 1.1 do teu conto senti certa estranheza relativamente a esta mudança repentina de posição do narrador. A passagem é compreensível, como leitura afirmo-te que adaptei-me mais ou menos bem a descoberta de um narrador presente. Porém, mesmo percebendo a grande importância do aparecimento deste terceiro personagem, penso que poderias introduzi-lo de uma forma mais subtil. Da versão 1.1 à versão 1.2 nota-se a diferença, mas talvez, se achares por bem, numa segunda versão podes fazê-lo emergir de um modo ainda menos brusco. Talvez se iniciares a transição temporal através da descrição actual da aldeia consigas suavizar o surgimento do narrador na acção. Se quiseres experimenta, talvez te ajude.

    (Cristina Branco, nº37959)

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  3. (3ªparte do comentário)

    Os nossos contos assemelham-se, sobretudo, em dois sentidos. Primeiramente, o mais óbvio: o campo semântico, a presença basilar da comunidade piscatória, o misticismo simbólico ao redor do mar e da sua infinitude, a solidão e a angústia de quem fica, a meditação consequente do isolamento, o azul e branco, a humidade da névoa no teu conto e do orvalho no meu, o silêncio oceânico. Um segundo sentido que poderá fazer convergir a estrutura temática do nosso conto é a presença simulada de D. Sebastião. No teu conto, o pai vai e nunca mais volta, Sofia sente-se atraída pelo cantar do horizonte que une o mar e o céu, ela vai e não é explicitado se ela volta, um barco surge diante do narrador, regressa ao lugar de onde partiu. No meu conto, emerge um bicho estranho, uma mulher, uma Vénus, figura mítica, que indica um novo caminho à uma comunidade enclausurada numa praia, surda e intacta pela solidão. O mito sebástico que, para nós portugueses, é intimamente intrínseco à figura do jovem D. Sebastião desaparecido em Alcacér-Quibir, nomeia uma tendência social pela espera afectiva de uma solução para vários tipos de bloqueios, sejam eles espirituais, religiosos, culturais, sejam políticos, financeiros. Esta solução é personificada por um líder que conduziria a sociedade para fora do cenário enegrecido em que estava. Parto do princípio que não será um só indivíduo a estimular e a realizar a mudança, por mais fácil que seja fazer pesar em uma só pessoa toda a revolução. Neste ponto o meu conto ainda não ganhou consistência. Diante do desafio de escrever e dar sentido a um conto, tenho tendência a estrutura-lo na vontade que o final seja construtivo. Porém, assim o próprio conto resulta numa incoerência que só poderá fazer sentir insatisfeito que o cria e quem o lê. Ao reflectir sobre isso, percebi o quão necessário seria experimentar a destruição do D. Sebastião, ou melhor, do messianismo eterno, de modo à dar a entender a importância do colectivo na mudança de perspectivas e na evolução da própria comunidade. Tento, agora, reverter o processo. No teu conto, o enredo é coeso e capaz de propor aos seus leitores vários prismas do sebastianismo. Pareces escrever o inicio premeditando o fim. Neste sentido, a leitura do teu conto tem-me ajudado muito a perceber que rumo dar ao meu. Agradeço-te e aguardo curiosa pela segunda versão!

    Espero que a minha reflexão tenha estimulado a tua e tenha, de algum modo, acrescentando algo à este belo e duro processo que é a escrita e exposição de um conto.

    Um abraço,

    Cristina Branco, nº37959

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  4. Cristina

    Queria agradecer o trabalho e cuidado com que leste e comentaste o meu conto e respondeste às minhas dúvidas, mereces uma resposta maior que estas pequenas linhas que agora escrevo, e por essa razão vou deixar a maior parte das minhas reflexões para quando publicar aqui no blogue a versão 2.0 do meu conto.

    Não queria era deixar de agradecer desde já a tua resposta à minha segunda pergunta. Estava bloqueado nessa parte, e o teu "por inteiro" foi uma solução perfeita pois é a expressão que melhor se adequa ao que eu procurava dizer, e passava-me ao lado sem a tua ajuda.

    Mas sobretudo, o teu comentário eleva a fasquia do conto, obriga-me a trabalha-lo com mais empenho e responsabilidade, e ao mesmo tempo anima-me a procurar sempre melhora-lo. Por isso tudo, muito obrigado

    Marcos de Sousa Guedes

    P.S.: Como vai o teu conto? Gostava imenso de o comentar, mas como não sei o que já alteraste desde que o puseste no blogue, resolvi guardar-me para a segunda versão. Mas desde já digo que gostei muito. Continuação de bom trabalho

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