18/03/11

Conto Individual - Filipe Gomes

Como a professora sugeriu, vou pôr o meu conto no blog. Aqui vai.
Jon
De chapéu na mão, o dedo na campainha, ele olha para cima ao ouvir o som e vê o destino a vir ao seu encontro. Tinha a forma de um piano. Loyd Jon Benington atirou-se para a segurança dos arbustos que rodeavam a casa. O piano caiu onde ele à momentos estivera, quebrando-se numa explosão de madeira, libertando o seu grito agonizante de morte. Loyd Jon levantou-se e sacudiu a terra e as folhas das suas roupas. A porta da casa abriu-se pouco depois e Loyd Benginton II emergiu, observando a cena com um ensaiado ar de consternação. “Cruzes credo, Jon. Mas o que se passou aqui, meu velho?” “Ah, responde Loyd Jon, não lhe sei dizer, meu caro. Ouvi um som peculiar e quando olhei para cima vi este instrumento prestes a desabar sobre a minha pobre cabeça.” “Mas que acidente aleatório inesperado!, prosseguiu Loyd Benington. Estávamos precisamente agora a tirar o piano lá de cima para metermos o novo. A corda deve ter-se partido. Folgo em ver que estás bem, irmão! Entra, entra!” Loyd Jon olhou para cima e notou a notável ausência de cabos e roldanas. Apenas a janela da varanda aberta e dois senhores que, espreitando rapidamente lá para baixo, refugiaram-se imediatamente dentro da casa mais uma vez.
Loyd Jon entrou e o mordomo conduziu-o até à sala de refeições, onde Loyd e Vanessa já se encontravam. Loyd pôs-se imediatamente a contar o incidente à sua esposa. Vanessa sorriu. “O nosso Jon teve sorte que o piano o avisou, não é verdade?” Loyd Jon devolveu-lhe o sorriso. “Deveras. Mas, irmão, com tudo isto nem tivémos oportunidade de nos cumprimentarmos convenientemente. Isso não pode ser!” Loyd Jon rodou discretamente o seu anel, o que fez com que uma pequena agulha surgisse na superficie dourada do acessório. Esticou a mão a Loyd que se aproximou com a sua estendida para a apertar, mas, no ultimo instante, um olhar de horror passou pelo rosto de Loyd, como se se tivesse apercebido. Rapidamente afastou a sua mão direita e agarrou a de Loyd Jon pelas costas com a esquerda. “Um aperto de mão que aprendi na nossa ultima excursão às terras do sul. È um cumprimento utilizado pelos membros de uma tribo remota para mostar afecto aos que lhes são mais próximos, não é verdade querida?” Deslumbrante no seu vestido branco e azul, com o seu colar de safiras que combinava tão bem com o seu sedoso cabelo vermelho, Vanessa parecia divertida com a cena. “Gostei muito de conhecer essa tribo. Deviamos visitá-la outra vez na nossa próxima viajem.” Loyd Jon desconfiava que não existia nenhuma tribo nas terras do sul com tal cumprimento, mas não ia insultar o seu irmão e a sua bela esposa. “Sinto-me tocado que me tenhas em tão alta consideração, irmão.” Seguidamente beijou Vanessa nas faces antes de se sentar à mesa. O seu assento era directamente oposto ao de Loyd. Eles olharam-se de maneira avaliadora durante alguns segundos, sem que nenhum dissesse alguma coisa.
Loyd Jon esticou a mão para o seu guardanapo e parou antes de o agarrar. O guardanapo estava bem enrolado, em forma de tubo. Pegando na faca, Loyd Jon empurrou-o para o chão. Abriu-se e um pequeno escorpião, vendo-se livre, correu rapidamente em busca de uma saida ou, talvez, de alguém para picar. O mordomo avançou rapidamente e esmagou o infeliz aracnideo com o seu sapato. Depois, como se nada de estranho tivesse ocorrido, puxou uma das cordas que pendiam do tecto para chamar uma criada. “Oh, esses bichos aparecem em todo o lado, disse tristemente Loyd. È o problema de se viver no campo.” “Hoje parece que só ando a evitar desastres, observou alegremente Loyd Jon.” “Sinto-me um péssimo anfitrião, lamentou-se Loyd. Primeiro o piano e agora isto.” Loyd Jon pegou no copo de água e levou-o aos lábios enquanto o irmão falava. O suave tecido que cobria a mesa foi perturbado por uma mão que emergiu de debaixo da dita superficie de refeições e deixou cair um pequeno objecto no sitio onde, à meros segundos, estivera o copo de água. Loyd Jon inclinou-se para a frente para examinar o objecto. Parecia ser um comprimido. “A ultima coisa que eu quero, prosseguiu Loyd, é que te sintas pouco à vontade.” Ouviu-se um “Argh!” vindo de debaixo da mesa, um som semelhante ao que alguém produziria se se visse inesperadamente pontapeado. A mão voltou a emergir, tacteou bruscamente a superficie da mesa até encontrar o comprimido, agarrou-o e voltou a esconder-se. “Ratos, disse Loyd. Ainda a semana passada mandei vir o extermindador. É o campo.” “É o campo, ecoou Loyd Jon. Mas, por mais defeitos que tenha, não deixa de ser belo. Vivemos ambos perto da natureza e, ainda mais importante, da nossa riqueza. Espero que o teu convite para uma galopada pelas tuas terras ainda se mantenha Loyd.” “Então não, Jon? Assim que acabarmos de comer, vamos logo. Já mandei preparar os animais. Não há nada melhor para fazer a digestão.” Os criados trouxeram os pratos. Uma criada limpou o cadáver do escorpião. “Mandei o meu cozinheiro preparar o teu prato preferido, anunciou Loyd. Espero que esteja a teu gosto.” Loyd Jon observou o prato de carne fumegante com suspeita. “Oh, não. Pensei que te tinha dito.” “Dito o quê?” “O meu médico proibiu-me de comer carne. Estou de dieta meu caro. È o que acontece quando não cuidamos da nossa alimentação. Estás a comer o quê? Sopa de legumes? Ora ainda bem.” Loyd Jon levantou o seu prato com cuidado e veio pô-lo à frente de Loyd. Voltou para o seu lugar levando a sopa de Loyd, que prontamente começou a comer. “Que delicia. Que tal está a carne, Loyd?” O anfitrião olhou para ele com ódio profundo. Durante um segundo, foi para Jon como se visse o rosto do pai. Mas a pouco e pouco a sua expressão suavizou-se e voltou a ser o seu irmão. “Na verdade não tenho muita fome. E se fossemos dar a volta agora? Isso abre-me sempre o apetite!” Vanessa levantou o olhar do seu prato. “Os meninos portem-se bem! Nada de traquinices.” Eles riram-se. Loyd Jon pôs-se de pé. “Por mim tudo bem. Importas-te que eu vá primeiro à casa de banho? Podes ir já esperar por mim lá fora.” Loyd observou-o com desconfiança. “Está bem. È ao fundo do corredor. Mas não te demores.”
Loyd Jon dirigiu-se à casa de banho. Ligou a torneira e lavou a cara com água fria. As suas mãos não lhe deixaram o rosto. Inclinou-se lentamente até a sua cabeça pousar sobre o espelho do lavatório. O seu corpo estremeceu com um soluço repentino, ao que se seguiram outros dois. O som da porta da casa de banho a abrir fê-lo endireitar-se repentinamente e virar-se para encarar o intruso. “Espero não estar a interromper”, disse Vanessa, sempre deslumbrante. Loyd Jon esfregou rapidamente a cara com a toalha. “Não, claro que não. Como poderia eu ressentir-me da tua presença?”, disse ele todo sorridente. Vanessa avançou, agarrou-lhe a nuca com uma mão e trouxe-o até si, beijando-o nos lábios. Ele agarrou-a pela cintura e devolveu o beijo. “Sabes que só um de vocês é que vai voltar, avisou ela, subitamente muito séria. Desta vez não te podes limitar a evitar o destino.” “Eu sei.” Vanessa afastou-se dele e levantou a saia. Tinha uma pistola presa na sua meia-liga. Entregou-lha, e uma caixa de munições. “Só para equilibrar as hipóteses.” Sussurou ela antes de lhe virar as costas e sair da casa de banho. Loyd Jon carregou o revolver e guardou a caixa. Escondeu a arma no seu bolso interior, inspirou fundo e saiu. Enquanto caminhava, tentou perceber como é que tudo chegara a este ponto. Ele e Loyd alguma vez se zangaram quando eram pequenos? Alguma vez se odiaram? Não. Sempre foram próximos. Isso mudara lentamente à medida que cresciam. Qual foi a causa? É claro. O pai. Loyd Benington I. Ele lembrava-se. Era a memória mais nitida da sua infância. Cada vez que ele partilhara algo com o seu irmão, cada vez que se riram juntos de algo, cada vez que mostraram afecto um pelo outro, o rosto de Loyd Benington I surgia, desaprovador. Toda a sua vida o pai instigara-o a competir com o irmão e vice-versa. Era natural que se tivessem afastado com o passar do tempo. Porque é que ele tinha feito isto? Impossivel perguntar-lhe, morrera há vários anos, deixando metade das suas terras a Loyd e a outra metade a Loyd Jon. A sua ultima incitação ao conflicto fraternal. Desde então que não passara pela cabeça de Loyd outra coisa senão tornar-se dono de todas as terras que foram do seu pai. Seria isto o que o Loyd pai queria? Loyd Benington I foi um homem de negócios impiedoso, obcecado em tornar-se cada vez mais rico. A dada altura terá percebido que não viveria para sempre. Eis, então, o seu desejo. Um legado. A sua demência sobrevive através da sua prógene. Mas para isso só precisava de um filho.
Loyd Jon saiu para o ar puro. Loyd esperava ao pé da sua montada, um dinossauro bipede com ar tranquilo. “Tomei a liberdade de mandar preparar a tua montada, irmão. Uma das minhas melhores!” Loyd Jon observou o outro dinossauro. Eram precisos sete homens a segurá-lo com cordas. A sua boca aberta mostrava dentes afiados e os seus olhos uma loucura bastante humana. “Aquilo a sair-lhe da boca é espuma?” Loyd ignorou a pergunta. “Vamos então?” “Sim, mas se me deres licença, trouxe a minha própria montada.” Loyd Jon assobiou e o dinossauro que o trouxe até à mansão do irmão veio imediatamente ter com ele, esfregando o seu focinho na face do dono. “Mas esse animal trouxe-te cá! Deve estar exausto!” “Disparate, rematou Loyd Jon, a minha casa não é assim tão longe. E o Trincas é muito forte, ainda tem muita energia.” Loyd encolheu os ombros e montou, enquanto que os seus homens levavam o dinossauro espumoso de volta ao estábulo. “O Paul e Stevenson vêm connosco, anunciou Loyd. Para zelarem pela nossa segurança.” Loyd Jon observou os dois acompanhantes. Ambos estavam já montados em dinossauros velozes, e ambos traziam espingardas e olhares ferozes. Loyd Jon viu nas suas expressões o seu destino. Mas se alguma coisa acontecesse a Loyd, eles sabiam quem é que passaria a pagar os seus salários. Loyd Jon apertou o peso reconfortante da pistola no seu bolso e incitou Trincas a correr atrás da montada de Loyd. Lembrou-se de correr atrás de um rapaz parecido com ele e uma lágrima escorreu-lhe pela face abaixo.
- Filipe Gomes Nº41527

3 comentários:

  1. Texto interessante, no geral muito bem escrito e com uma história intrigante que prende o leitor e o deixa com vontade de saber mais acerca desta relação peculiar entre os irmãos Benington. A sucessão de eventos estranhos que acontece a Jon Loyd é cativante e o final em aberto aguça a curiosidade dos leitores.

    No entanto, tenho algumas sugestões a fazer. Na passagem
    "Apenas a janela da varanda aberta e dois senhores que, espreitando rapidamente lá para baixo, refugiaram-se imediatamente dentro da casa mais uma vez." sugeria a substituição de "refugiaram-se" para "se refugiaram".

    E propunha ainda a diminuição de pronomes possessivos, pois tornam o texto um pouco mais pesado quando não são estritamente necessários.

    De resto, foi uma leitura bastante agradável. Parabéns!

    Márcia Bernardo
    Nº 41131

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  2. Obrigada pela dica. "se refugiaram" fica de facto bastante melhor. Quanto aos pronomes possessivos, é dificil eliminá-los, pois considero a maioria bastante essenciais ao conto. Mas tomarei isso em conta quando escrever a segunda versão.
    - Filipe Gomes

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  3. O conto como um todo está interessante, um humor britânico bem executado e a "confusão" com os nomes foi bem pensado.
    A única coisa que te proponho é reveres alguma adjectivação de forma a não quebrares o curso da história e não forçares tanto o tratamento formal.
    Aconselho-te a leitura de A Tale of Two Cities de Charles Dickens e Jeeves de PG Wodehouse, títulos que têm algumas semelhanças em termos estilísticos com o teu conto.

    Ricardo Rodrigues 44942

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