02/03/11

Conto Colectivo - Parte I (Revisto)

Nunca irei esquecer aquela tarde em Guadalupe. Sinto o cheiro adocicado da feira, o sol na pele e oiço o vozear. Consigo cheirá-lo, senti-lo e ouvi-lo como se estivesse ao meu lado. Miguel era tudo o que eu desejara e bastante mais. Nos meus vinte anos nunca conhecera um homem como ele. Recordo bem o seu rosto: uma ligeira preocupação enrugava-lhe a testa, o sobrolho franzido adivinhando conspiração. Nos seus olhos negros os enigmas do universo, na sua boca um segredo vital. Deixou-me deslumbrada.

Com o primo António nunca foi assim. O meu marido era um homem de bem, dedicado aos negócios, aos amigos e ao mundo. O nosso casamento era um contrato bem sucedido. E que mulher não desejaria um homem estável?

O primo rodeava-se de livros de economia, mantendo-se em constante aprendizagem, escrevinhando, sempre que estava em casa, no que gostava de chamar "o meu livro de contas". Também Miguel escrevia, palavras que nunca li.

Nunca entendi a qual dos dois se destinavam as palavras da bruxa.

1 comentário:

  1. O laço que permitiu elencar a citação que inicia o conto com o excerto, continuação, agora escrito, foi muito bem conseguido. O horizonte sensorial, dos cheiros e sensações, transporta o leitor para uma escrita com "efeitos" no corpo. A acção começa a entreabrir-se mas, dado que s etrata de um conto colectivo, não estaca demasiados pontos de passagem que limitem os escritores seguintes, deixando espaço à criatividade. Ainda assim, foi mantida uma aura de mistério concomitante à citação inicial: "Nunca entendi a qual dos dois se destinavam as palavras da bruxa."

    N. 37966

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