Sobressaltou-se e deu um passo atrás, franzindo o sobrolho. Imitei-lhe os gestos: não era ele. Uma centelha de lucidez fez dissipar o nevoeiro que me nublara a razão e levara a ver naquele homem o retrato vivo de Miguel. Esbocei um sorriso constrangido e afastei-me.
Ainda aturdida, percorri o perímetro, penetrando por entre o bulício e perscrutando cada tenda por que passava. Encontrei a barraca da cigana na periferia da feira, meia escondida, como se espreitasse por trás de um carrossel. À entrada, uma mulher jovem segurava uma criança irrequieta pelo braço, tentando limpar-lhe a boca suja.
“Desculpe, procuro uma senhora que costumava ler a sina aqui.”
A mulher olhou-me com desconfiança e soltou o miúdo.
“Ah, a minha mãe. Não ‘tá não. Ela agora deu em ler a sina lá no circo.”
Tentei saber mais, mas ela virou-me as costas, voltando ao interior da barraca. Pus-me a caminho, perguntando aqui e ali pelo circo da cidade. Quando o encontrei, ignorei o aviso do vendedor de bilhetes de que o espectáculo já estava a terminar e entrei. Iluminada por um holofote, a cigana debitava, com as mesmas palavras que para mim usara, o destino de um qualquer ingénuo. Ri-me.
Os artistas surgiram de braços abertos, agradecendo ao público com sinceras vénias. Dei uma irónica salva de palmas e levantei-me, determinada a confrontar a falsa vidente. Sem pudor, dirigi-me à zona das caravanas e esperei até vê-la entrar para uma delas.
Bati à porta. Não ouvindo resposta, entrei sem que me convidasse. Vi-a em frente ao espelho, retirando um véu escuro que revelava um rosto sulcado de rugas. Cruzámos olhares no espelho.
“Quer que lhe leia a sina, é?"
“Para dizer o que me disse há vinte anos atrás? Agradeço, mas não. Você estava enganada,” disse-lhe calmamente.
“E menti?”
“Diga-me você.”
Deu um sorriso de dentes podres e anunciou:
“Tenho fome.”
“Não desvie o assunto. Explique-se.”
“Sim, mas tenho fome,” insistiu a velha.
Sem outra saída, levei-a à tasca mais próxima. Pediu e repetiu o prato do dia, comendo com sofreguidão. Quando acabou, lambeu os dedos, soltando um arroto satisfeito.
“Você estava enganada, sabe?,” arrisquei, já pouco segura.
Ela levantou-se, pegando no chapéu de palha e no cajado que trouxera consigo. Os seus lábios sumidos rasgaram-se num esgar desditoso.
“Não me parece.”
Grupo 4 - Diana Paulo, Joana Barão e Márcia Bernardo
Tenho uma pergunta a fazer...
ResponderEliminarPorque estava a cigana errada? A verdade é que a protagonista continua sozinha.
- Fábio Cruz 39021 -
Basicamente, a protagonista está a tentar convencer-se a si mesma de que o que a cigana lhe disse da primeira vez que esteve em Guadalupe é mentira.
ResponderEliminarQuando ela está no espectáculo de circo a ver a actuação da vidente e a ouve a dizer as mesmas palavras a outros espectadores, ela aplaude, irónica, pois acha que tudo aquilo é uma farsa.
Mas, ainda assim, decide esperar pela cigana para ter as suas certezas e conseguir convencer-se por completo de que tudo aquilo não passa de algo ridículo.
Grupo 4
Agradeço a vossa resposta.
ResponderEliminarMas quando a cigana responde : “Não me diga que acreditou!”
Dá a entender que realmente não passa de uma farsante. A ideia de possibilidade da previsão estar correcta, na minha opinião, desaparece.
A protagonista não procura convencer-se apenas, a cigana confirma que está a mentir.
Fábio Cruz 39021
Posto isto,
ResponderEliminarA personagem principal não está apenas a tentar convencer-se, ela tem a certeza que não passa tudo de uma fraude.No entanto, como disse, a verdade é que ela permanece sozinha e a previsão continua a estar correcta.
A não ser que a cigana tenha acertado sem querer.
-Fábio Cruz 39021 -
Agora, sim.
ResponderEliminarAs minhas dúvidas dissiparam-se. Penso que esta vossa versão está muito mais coesa.
No entanto, respeitando o vosso trabalho e liberdade de criação, devo confessar que me preocupa este volta, não volta, Miguel.
Parece-me que o conto colectivo necessita de levar um abanão para não tornar-se demasiado repetitivo.
-Fábio Cruz 39021-
Fábio:
ResponderEliminarAinda bem que as tuas dúvidas se dissiparam. De facto, fomos colocar o primeiro rascunho do conto, anteriormente, e portanto, é normal que tivesse causado algum prurido. Pedimos desculpa por isso.
Porém (e nós somos suspeitas por isto), temos que discordar contigo. Se nós fizessemos com que o Miguel voltasse, isso sim, seria repetitivo. Aliás, nós não concordamos bem com essa personagem. Achamos que tira muita projecção à protagonista que, no fundo, quer é desmascarar os bruxos e videntes, e não contar uma aventura amorosa. Mas esta é a nossa opinião.
No entanto, aceitamos qualquer sugestão para que se melhore esta nossa parte do conto. De que abanão falas? De que forma é que podemos não tornar a história repetitiva?
No fundo, apenas demos uma continuação daquilo que foi escrito pelo grupo anterior e, para que haja coesão, não pode haver uma discrepância enorme entre ambas as partes. Tem que haver harmonia.
Nós deixámos uma porta aberta para o próximo grupo: o desmascarar da cigana. E esse sim, é aquele que pensamos ser o cerne da questão.
Não obstante, agradecemos o teu comentário.
Continuação de bom trabalho para ti e para todos!
Grupo 4
Respeito a vossa opção e uma vez que não concordam com a personagem, compreendo-a também.
ResponderEliminarNão gostaria que de conto para conto houvesse a possibilidade do Miguel voltar, e no final não voltar. Receio que esta fórmula venha a ser repetida nos próximos contos. Quanto ao abanão, talvez passasse por dar alguma alegria a história, não deixando a personagem cair na loucura de uma busca sem fim.
-Fábio Cruz 39021-
Bom trabalho, meninas!
ResponderEliminarSugestões formais:
retornando ao interior da barraca = voltando ao interior...
Ao não ouvir resposta, = Não ouvindo resposta,
Muito obrigada, professora!
ResponderEliminarIremos modificar o texto de acordo com as sugestões formais que apresentou.
Obrigada mais uma vez.
Grupo 4