28/03/11

Conto Individual

“Format \C:“ (1ª versão)

Já passou tanto tempo desde a nossa última aventura. Sinto falta daqueles serões perdidos naquelas planícies sem fim e naquelas montanhas vulcânicas. E aquelas batalhas campais em que todos participávamos e limpávamos o sebo àqueles nabos que tinham a mania? Como sinto falta daquelas horas perdidas...

Mais uma vez, estávamos nas ilhas de “Sandstream”. Como de costume, à frente íamos eu e Créme, logo atrás vinha Hugs e na linha da retaguarda estavam Maya e Sun. Já tínhamos feito aquela masmorra várias vezes, mas ainda estávamos na fase de encontrar melhor equipamento, para podermos partir em aventuras mais árduas.
- Sky, ogres às doze! – gritou Sun.

Num instante, Créme lançou-se para o meio dos ogres, captando a atenção deles. Enquanto ela os mantinha distraídos, eu matava-os, um a um, com a ajuda de Sun e Maya. Demos-lhes uma tareia colossal.

Finalmente chegámos ao fim da masmorra. A uns vinte metros diante de nós estava o nosso alvo, o titã da cascata. Um monstro enorme, com vários tons de azul a colori-lo e sete vespas mutantes a rodeá-lo. Então, antes de nos lançarmos a ele, eu perguntei aos meus parceiros:

- Filhos, ainda se lembram da táctica?
- Mais oui, “prrovoco” as vespas e levo-as “parra” un cantinho – disse Créme.
- Já sabes, deitar abaixo inimigos voadores é a minha especialidade. Podes contar com o meu arco e as minhas flechas! – disse Sun.
- Feitiços de área. Entendido! – disse Maya.
- Quem julgais que sou? Óbvio que sei o que tenho de fazer! É só manter o nosso engodo vivo. Ide, usai o vosso florete e trai a vitória ao nosso grupo mais uma vez – disse Hugs.

Tendo relembrado a estratégia para derrotar o nosso alvo, pusemo-la em prática. Créme aproximou-se e soltou um grito de guerra, atraindo as vespas, e defendeu-se com o seu escudo de gelo. Enquanto elas a tentavam envenenar com as suas ferroadas, eu e Sun atingíamo-las com as nossas armas e Maya invocava tremendas tempestades tropicais.

Quando estávamos prestes a livrar-nos das vespas, o titã acordou. Enraivecido, ele dirigiu-se a nós, que estávamos longe de Créme. Ela acabou com as vespas e foi logo a correr em direcção ao titã, enquanto Hugs a revitalizava com magia branca.

- Mangez mon épée, seu “porrco”!
- Tende cuidado, as vossas feridas ainda não foram totalmente tratadas!
- Créme, espera que o meu irmão volte a ter “mana” para lanchar flechas paralisantes! Sun, ainda te falta muito?

Mas ele não respondeu. Voltei-me e reparei que o avatar dele estava parado. Quando ia perguntar-lhe porque estava imóvel, o titã derrotou o nosso grupo. Sem as flechas paralisantes, Hugs não teve tempo para tratar das feridas de Créme, fazendo-a morrer num instante. Logicamente, como os restantes não tinham uma defesa tão elevada como a dela, fomos mortos, um a um, numa questão de segundos.

Furiosa, fui até ao quarto do meu irmão. Ele estava sentado ao computador com um ar estupefacto. Eu aproximei-me dele e comecei a gritar.

- Alphonse Ballista, que raio estavas tu a fazer?!
- A culpa não foi minha, o PC é que bloqueou! Se calhar não devia ter deixado o “BitTorrent” ligado.
- O quê?! Al, tu sabes muito bem o “BitTorrent” deixa o computador lento! Tu sabias muito bem que hoje íamos voltar a derrotar o titã!
- Ó Vanilla, desculpa, esqueci-me.

Estava mesmo fula, parecia um touro que acabara de ver um pano vermelho. Empurrei-o da cadeira e inseri o comando para formatar o computador dele. Disse-lhe para ele não me dirigir a palavra na próxima semana e voltei para o meu quarto.

No dia seguinte, quando eu e ele estávamos a voltar da faculdade, viemos a discutir. Eu gritava com ele por ter deixado o computador bloquear a meio do jogo e ele gritava comigo por lho ter formatado. A nossa discussão tornou-se agressiva ao ponto de nos empurrarmos um ao outro, mas eram empurrões muito leves. Contudo, a dada altura, exaltei-me demasiado e dei-lhe um empurrão que o fez cair no meio da estrada.

Desse dia, só me lembro da rapidez a que o carro passou diante de mim. No fundo, quando formatei o computador, também formatei o meu irmão...

estudante 37878

6 comentários:

  1. O que dizer...

    Sem dúvida alguma o meu conto favorito até agora.
    O terror súbito que senti ao ler o último verso ainda ecoa dentro de mim ( "também formatei o meu irmão....").
    O que parecia ser um simples relato de um jogo, como por ex. o World of Warcraft, acabou por revelar-se um excelente momento de reflexão.

    Vivemos num momento onde a realidade "real" se confunde com a realidade virtual, onde a vida jogada se torna a vida vivida. A era 3d , a nossa era, procura exactamente criar essa perpétua confusão entre o real e o virtual.

    Apenas consigo dizer uma coisa: Adorei!

    Os meus parabéns.


    -Fábio Cruz 39021 -

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  2. Conseguiste criar uma linha entre o real e o virtual que, em simultâneo, separa estes dois elementos e cria uma sinergia entre eles.
    O enredo está excepcional, descreveste com precisão os cenários e o pormenor de adicionares personagens estrangeiras como referência ao alcance que um videojogo online tem pelo mundo inteiro foi um toque de génio.

    Parabéns.

    Ricardo Rodrigues 44942

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  3. colega acho que no inicio repetes muito a palavra "naquelas".não sei se é intencional, mas acho que poderias utilizar sinónimos.por outro lado, gostei bastante do jogo de palavras que utilizaste. cria um ambiente cómico.

    faz lembrar-me um relato em primeira mão, quando adoptas a narração em primeira pessoa (algo bastante ousado, mas conseguido da tua parte.

    o final está mesmo imprevisivel. os meus parabéns colega

    aluna 39015

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  4. http://pt.wikipedia.org/wiki/EXistenZ

    Se não viu, veja, Hugo. O filme joga também com esta ideia do cruzamento interdimensional, a partir da ideia da realidade virtual. Pode-lhe dar ideias para desenvolver o seu conto.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Gosto da tua capacidade imaginativa. O facto de utilizares nomes estrangeiros e algumas expressões como "ogres às doze" remetem o leitor para uma situação bastante imaginativa e diferente das fantasias habituais fílmicas e novelísticas. No entanto, a repetição da palavra "aqueles" é demasiado utilizada no primeiro parágrafo. Poderias alterar essa situação e assim, criavas uma abertura para outras palavras e para o enriquecimento do próprio parágrafo, que é o mais importante de todos. Percebi que ao longo de toda a guerra com as vespas usas em demasia essa palavra, o que se torna repetitivo e enfadonho. Introduzes um tom cómico ao embutires uma personagem que fala de forma diferente: carrega muito nas consoante, principalmente nos “rr”.Fizeste um truque espectacular com essa figura.
    Fazes o leitor acredita que se trata de um novo mundo, com novas pessoas e no final implantas a existência apenas de um jogo que altera de modo trágico a vivência de dois irmãos. Deixas o leitor a pensar no que realmente é importante na vida e como às vezes nos esquecemos disso. Transmites não só uma história cómica, mas uma mensagem moral. Acabas por dar uma volta de 180º no final, que eleva o teu conto a um plano forte e emocional, diria mesmo estrondoso. Mas está fantástico, conjugas o imprevisível a jogar no teu campo, para rematares com uma história incrível.

    aluna 39015

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