Esta é a história de Carlos Lourenço contada na primeiríssima pessoa, que relata, após quarenta anos do sucedido, uma das peripécias mais imprevistas e fortuitas da sua vida, pelo ano de 1974, num certo mês de Abril. Nada é para sempre, é certo, e talvez que os caros leitores não encontrem distinto interesse naquilo que aqui é narrado. Porém, peço-vos que abdiquem um pouco do vosso tempo, dessa “superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar”, e oiçam o que tem para vos dizer este homem de barbas tecidas com fios de prata e palavras.
Se caminhares na rua, nunca olhes para trás. Não sabes o que se esconde nas sombras, diziam os anciões do lugar onde nasci. Deixei cedo a casa dos meus pais e, para ser franco, não tive pena. Vivi durante dezoito anos numa aldeia de casas brancas e barras azuis, caiadas, com postigos de madeira sempre entreabertos, atrás dos quais se resguardavam, num falso silêncio sepulcral, olhos curiosos, bocas agoirentas e ouvidos sedentos de coscuvilhice. Uma daquelas terriolas olvidadas nas planícies macias de trigo doirado do Alentejo, acocoradas à linha fronteiriça que dividia a Península Ibérica em duas partes desiguais. Num daqueles serões de estio, enfadado de passar os dias agarrado a uma enxada, anunciei à família que, na semana que se avizinhava, tencionava partir para Lisboa. Uma orquestra de bocas abriu-se em uníssono, entoando sons de assombro e estupefacção. As colheres caíram, desamparadas, nos pratos assoberbados de um caldo salgado de grão e toucinho, polvilhando as roupas de domingo, de alvos colarinhos e hirsutas de goma, com nódoas de azeite.
Declarei, então, que um amigo que se encontrava na Amadora me tinha arranjado um trabalho como ladrilhador na construção de umas moradias na Serra de Mira, onde ele próprio se apresentava ao serviço todos os dias. Enquanto aliviava o corpo do peso da derradeira confissão, pensei que seria um louco se me deixasse apiedar pela tristeza que lhes dançava nos semblantes e declinasse o convite. Urgia, portanto, que me desenvencilhasse das mentes tacanhas e retrógradas que enchiam os serões à volta da lareira, por alturas do Inverno, de histórias medonhas com bruxas de cabelos queimados e feiticeiros loucos de um só olho. E tal era a efervescência do espírito que, no dia em que me fui embora, ignorei os bolos folhados da minha mãe e o carpir desgostoso dos meus irmãos. Para o meu pai, sempre firme nas suas opiniões e no cajado, aquilo era o que estava certo, “porque é assim que se fazem os homens”.
Quando cheguei à capital, mais propriamente ao Cais do Sodré, procurei a casa do meu tio Evaristo que, numa das muitas vezes que nos visitara na aldeia, me prometera dar guarida no seu apartamento, caso eu desencantasse algum ofício por terras de Olissipo. Pareceu-me bem. Aliás, tinha do meu tio a imagem de um senhor pançudo e aprumado, muito esticado nas suas casacas de fazenda dispendiosa, com o cabelo cortado à escovinha e um bigode preto aparado, debaixo do qual se espreguiçava num sorriso de bonomia que lhe afogueava as maçãs do rosto rubras e luzentes. Porém, chegado à morada que me indicava o papel pardo que trazia nas mãos, tive grande espanto quando vi o meu tio aparecer à entrada do prédio, de ceroulas compridas e barba mal feita, praguejando e perguntando quem seria o “grande imbecil” que o tinha acordado do seu plácido torpor. Não o reconheci. Fiquei tão perplexo que nem sequer tive reacção quando ele veio até à entrada e me fechou a porta na cara, proferindo um parágrafo de asneiras. Por certo, o meu rosto fazia transparecer uma tal expressão de incredulidade, que um vizinho chegou a perguntar-me se me estava a sentir bem. Ignorei-o, tal como me fez o tio, mas coibindo os palavrões.
À pressa, o sol recolheu aos seus aposentos levando consigo, depois do arrebol, um horizonte matizado a laranja e rosa. Em Lisboa, os candeeiros alumiavam as ruas com uma luz lúgubre e os comerciantes fechavam as suas lojas e boutiques numa azáfama que não se conhecia na aldeia. A polícia, essa, deambulava pelas estradas, fingindo-se embriagada, entrando e saindo dos estabelecimentos ainda abertos. E eu, que também caminhava pelas mesmas ruas, bebia a brisa marinha como consolo para o sucedido e pensava que não tinha lugar para onde ir. Na Amadora só me davam trabalho, nada mais… Era oficial: estava entregue, não aos desígnios de Deus (porque esses haviam falhado), mas sim aos meus. Quis, em desespero de causa, telefonar para casa. Quis confessar-lhes que me sentia sozinho e que ansiava por regressar. Quis dizer-lhes que podia ter crescido lá e que não necessitava de ter-me ido embora para me tornar homem. Quis muita coisa, mas as moedas que sobejavam na bolsa de camurça não eram suficientes para tal telefonema. Limitei-me a entrar num café ao final da rua e a sentar-me numa das mesas do canto. Gastei algum do dinheiro num pastel de bacalhau miserável e numa aguardente, apreciando a maneira como o líquido me queimava a garganta, purificando o sentimento de ódio que a fazia pulsar.
Eis se não quando, cerca de meia hora depois, a entrada de dois homens no café a fumar cigarrilhas, tirando os chapéus e saudando a clientela, me chamou a atenção. Os gestos de ambos despertaram-me os sentidos até então anestesiados. Sentaram-se, pois, ao balcão e pediram um prato de chouriço e azeitonas. Enquanto comiam, um deles levantou-se e disse para os presentes:
- Escrevi isto ontem à noite. Ora oiçam e digam-me o que acham!
- Vê lá o que para aí dizes, Cesariny! És poeta mas dispenso ser parte nas confusões em que te metes! Ainda aparece aí a bófia e depois o que é que eu digo à minha mulher? Não preciso de outro Bocage!
- Calma, camarada! Este, asseguro-te, nem eles vão perceber!
Declamou, com pujança, um poema floreado de metáforas e palavras caras. Quando terminou, dobrou-se numa vénia desajeitada. Agradeceu e, num pulo algo efeminado, voltou para o balcão e colocou a mão sobre a do homem que o acompanhava.
- Então? Gostaste? – rumorejou para o amigo.
- Maravilhoso, Mário! Deveras maravilhoso! – respondeu o outro, colocando o chapéu na cabeça e preparando-se para sair – Agora vou indo, que tenho a minha sogra em casa e já sabem como é… - suspirou, dobrando-se depois para o poeta – Amanhã, à mesma hora, lá estarei.
Após escassos minutos deste último ter saído, invadiram o espaço três polícias, de bigodes severos e expressões austeras e graves. Apontaram para Cesariny, vociferando:
- É ELE! LEVEM-NO PARA A ESQUADRA!
Agarraram nele e arrastaram-no como a um bicho bravo, ao mesmo tempo que lhe distribuíam pontapés nas canelas e palmadas na cabeça. Eu, atacado por uma vaga de fúria incitada pela injustiça e despropósito da cena a que acabara de assistir, insurgi-me, gritando impropérios aos guardas. Um deles, cuja mais de metade de um século já lhe ia pesando nos olhos papudos e nos lábios gordos pendurados pelo queixo, aproximou-se de mim e aconselhou-me, de uma forma pouco amistosa, a ficar calado, com o argumento de que eu não era para ali chamado. Porém, não me conformando com pouco, fui atrás do guarda e questionei-lhe a autoridade e o direito que tinha para arrastar um inocente para a prisão só porque tinha declamado um poema. Ao que o polícia respondeu, virando-se para os colegas:
- Levem este também, que está demasiado atrevido para o meu gosto. E diz aqui este inteligente – apontou o polegar para si próprio - que se acabaram, não as canções, mas os poemas! TUDO PARA A ESQUADRA, JÁ!
O primeiro a ser interrogado foi o poeta que, a registar pela descontracção do corpo, não parecia nem um pouco apoquentado com a humilhação a que tinha sido submetido. Enquanto eu esperava, os gritos provindos do interior da esquadra ditaram-me um pensamento de revolta e desilusão: “Vem uma pessoa prenhe de sonhos para isto…”. Senti, de mansinho, uma ponta de choro tímido humedecer-me os olhos. Abanei a cabeça e pensei: “Não! É assim que se fazem os homens!”. A páginas tantas, veio ter comigo o guarda que minutos antes me mandara aprisionar e levou-me para a mesma sala onde estava Cesariny. Ainda mal tinha posto um pé dentro do perímetro, pude sentir logo duas manápulas a puxaram-me a roupa, encostarem-me a uma parede e baterem-me com cassetetes. Depois, sentaram-me numa cadeira e o mais alto dos três guardas perguntou:
- Tu é que és o amigo aqui do Mairito, não é? Só pode! Foste o único que o defendeu no café! O amor sempre me comoveu! – gargalhou, aliciando os colegas a rir com ele.
Silêncio. Muito silêncio.
O guarda bateu com a mão na mesa, provocando um estouro desmedido.
- ENTÃO? FALAS, OU O TEU AMIGO COMEU-TE A LÍNGUA?
Senti um grito colossal agigantar-se e tomar forma nas goelas. Reprimi-o.
- Eu não sou o amigo de ninguém! Nem o conheço! Chamo-me Carlos e acabei de chegar a Lisboa! Podem confirmar isto pelos meus documentos! Eu apenas o defendi por uma questão de justiça…
- Pfff… - desdenhou o mais baixo em tom de gozo, enquanto prendia um cigarro com os lábios e procurava fósforos nos bolsos da farda – Estes comunistas… Muita justiça querem eles!
Vasculharam a minha mala à procura de uma identificação e, seguidamente, acolheram-se a um canto da sala e falaram entre si. O de olhos papudos e lábios gordos acariciou o bigode, ajeitou as calças que lhe desmaiavam pelas coxas roliças e ditou-me, com indiferença e repugnância:
- TU! Podes ir embora, já não estás aqui a fazer nada! E que isto te sirva de lição, rapaz, han? ...Comunas…
Peguei nas minhas coisas e saí aos tropeções, de pernas trémulas. Já na rua, ainda os ouvi fazer a mesma pergunta ao poeta: “Quem é o teu amiguinho?”. Ao que ele respondeu, cansado da pancadaria e da tosse vinda de dois pulmões de alcatrão, sem pudor:
- Como posso eu saber se estou quase sempre de costas?
Fui até à estação de camionetas mais próxima, com os lábios e o olho direito a latejar. Apanhei o último autocarro até à Amadora, gastando, por fim, as moedas restantes. Lá chegado, por miraculosa sorte, não tardei a vislumbrar, entre pinheiros selvagens da Serra de Mira, uma comunidade de choupanas e prédios semi-edificados. Quando lá cheguei, reconheci o meu amigo, sentado numa pilha de tijolos a contemplar a lua de ardósia. Corri para ele, choroso e emocionado por ver uma cara conhecida, e supliquei-lhe que me deixasse passar ali a noite.
Abraçou-me e apertou o meu ombro em sinal de compreensão, como se tivesse assistido às últimas horas do meu dia. Levou-me, então, à presença do mestre-de-obras, que era quem tinha o poder de decisão, e ao que este, sebento e ébrio, não se pareceu opor, servindo-se de um arroto sonante como uma metáfora para um sim sem vontade, foi-me indicado o casebre que eu passaria a chamar, provisoriamente, de casa. Feito de tijolo sobreposto e uma estrutura interna frágil de madeira, pensei que não passaria muito tempo sem que ela desabasse sobre mim. O coração caiu-me aos pés. Mas, “NÃO! É assim que se fazem os homens!”.
Como se a vida fosse sempre um carnaval, apesar de todas as suas vicissitudes, e reparando na minha ausência de sono, o meu amigo indicou-me com o mindinho um aglomerado de casas, branqueadas por centenas de luzinhas de rua, que espreitavam por detrás de uma colina. Ali, eu poderia passear até querer, porque ninguém se deitava cedo. Posto isto, recolheu à barraca, bocejando e batendo com os dedos, ao de leve, na boca.
Andei até chegar a umas vielas ainda barulhentas e movimentadas, onde acabei por ir dar a uma espécie de clube que, àquela hora, passava um filme chamado O Conde Drácula, dirigido a um público exíguo e sonolento, que ressonava a bom ressonar. Assisti à película e, quando aquele que eu presumi que fosse o director do clube, apareceu e nos mandou a todos embora, apelidando-nos carinhosamente de “bestas ignorantes”, retornei contrariado à minha nova morada.
Lá chegado, tirei do taleigo que trouxera, uma fatia de pão mole, um bocado de linguiça e uma vela. Primeiro, devorei o pão e o conduto com voracidade e só depois de mitigada a fome, é que peguei na vela e principiei por acendê-la. Repeti esta acção três vezes. À quarta, recordando-me da cena em que, à meia-noite, o drácula se levantava do caixão, bebia uma taça de sangue e sopravam violentas rajadas de vento que extinguiam qualquer sinal de luz, mandei a vela às urtigas e fui refugiar-me no casebre do meu amigo. Este era cabo-verdiano e estava em Portugal há algum tempo. Conhecera-o um Verão no Rosal, pequena terra espanhola, havia três anos, enquanto auxiliava a minha avó no contrabando de café, ajudando-a a passar a mercadoria para o outro lado da fronteira, sem que fossemos abordados pela guarda civil. Era homem de parco diálogo. Eu falava e ele comedia-se num sorriso pequeno que valia por mil palavras. Os meus monólogos não me incomodavam e até a afã se tornara menos infernal sob aquele sol pernicioso.
Entrei, sem que me convidasse e servi-me de uma cadeira. Depois, imitando-me os gestos, sentou-se à minha frente, ainda meio azamboado de sono, a olhar para mim. Eu, que só queria disfarçar o pavor que me assaltava e quebrar o emudecimento de ambos, pedi-lhe que me contasse tudo sobre a sua vida e os acontecimentos mais insólitos a que tinha assistido no país de onde viera, para que não nos deixássemos adormecer. Ele, por sua vez, e surpreendentemente, contou-me muita coisa, bebendo de um garrafão e descascando laranjas, comendo-as com lentidão e limpando os cantos da boca com as mãos grossas e calejadas, quando o sumo da fruta lhe escorria de um sorriso libertino, sempre que me contava algum episódio relacionado com mulheres.
Apontei para uma telefonia que vivia solitária em cima de um banco, polvilhada de um pó lácteo, e perguntei-lhe se funcionava. Soprei a poeira das teclas, estiquei a antena e tentei sintonizar uma frequência. Ancorámo-nos os dois à coluna da telefonia, enquanto eu rodava o botão na esperança de encontrar uma estação de rádio audível. De repente, sai do aparelho uma voz esganiçada e, depois, normalizada, que bradava: “Aqui, posto de comando do movimento das Forças Armadas: as Forças Armadas Portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa, no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma…”.
Exaltei-me. Aquilo era sério. Na aldeia onde vivi, a ditadura não era vivida com tanta intensidade como nas grandes metrópoles. Mas conhecia o suficiente do regime para saber que poderia não passar de um golpe militar para derrubar Marcelo Caetano e tornar as coisas ainda mais difíceis. Sintonizei melhor a rádio, e de dentro da telefonia, despregou-se, como uma onda de perfume, uma guitarra de Carlos Paredes e uma Grândola Vila Morena de José Afonso. Quando olhei para o meu relógio de bolso, os ponteiros indicaram as cinco da madrugada e pude entender um único disparo seguido de uma torrente de gritos. O meu amigo, intimidado pelo estalido da bala, refugiou-se debaixo da mesa e principiou por entoar uma reza ignota. Assomei-me à porta e vi um rio de pessoas brotar de todos os cantos, ruelas e vielas, de punhos erguidos e clamores de liberdade nas bocas. Vi o vinho jorrar pelos copos, as fatias de marmelada no pão e o queijo a serem distribuídos por todos. Vi as crianças em cima dos ombros dos pais com cravos nas lapelas. Vi o mundo, outra vez, nas mãos do Homem bom, e não do Ditador. Vi um “mar de contentamentos”.
Porém, assim que me pareceu propício juntar-me àquela festa tão apetecível e quando o meu amigo já ia surgindo a medo do seu esconderijo, de nariz empinado como que a farejar o ar, ouvimos uma sucessão de tiros distintos dos anteriores que nos fizeram recuar para o interior, deixando a porta entreaberta. Alguém disparava sobre as pessoas. Alguém não concordava com o bulício e os bramidos de alforria.
Perscrutámos por entre os buracos do tijolo e divisámos, mais adiante, uma faixa enorme de polícias fardados: uma autêntica fileira de dráculas que disparavam à queima-roupa sobre a populaça, que assombravam a luz de um Sol novo que vinha nascendo e recolhiam do sangue dos inocentes, o sabor atroz da sua vingança. E pior! No meio deles, vi um homem que, apesar de tudo, não esperava encontrar ali: o meu tio Evaristo, de arma empunhada pelo já pútrido e decadente Estado Novo. Então, por entre a multidão, ressoou uma voz que proferia o seguinte: “Não tenham medo, camaradas! A ignorância é um cancro social! Combatamos! Continuem a andar, porque para a frente é que se desbrava caminho! Somos filhos da madrugada e ainda não nascemos! Temos um dia inteiro para nascer! Amigos, nós somos a palavra!”. Reconheci-o! Era o poeta!
Agarrei no braço do meu amigo e arrastei-o para a nuvem de gente cujo verbo era impossível de apagar. Cesariny sorriu e deu-nos a mão. Atraiu-nos para o seio fraterno dos irmãos e das irmãs, onde a igualdade é inata e para todos, e as canções se viriam a perpetuar. Ergui a cabeça e cantei com eles. Elevei o peito e marchei ao compasso dos tiros que a polícia disparava atrás de nós, embravecida como lobos feros, de orlas de espuma branca aos cantos da boca. Fechei os olhos e honrei a pátria com a garganta cheia de música. Andei e não olhei para trás, para a sombra de espingardas negras, porque somos a palavra e “porque é assim que se fazem os homens”.
Nº 41149
Gosto do modo como descreves o ambinte, há um humor sutil aí que me agrada ("...atrás dos quais se resguardavam, num falso silêncio sepulcral, olhos curiosos, bocas agoirentas e ouvidos sedentos de coscuvilhice"). A descrição de Lisboa é muito vívida e interessante. Uma pergunta: Por que escreves certos diálogos em maiúsculas? Para indicar que o personagem está a gritar? Sem mais observações a fazer, a não ser dizer que este foi um dos contos que mais gostei no blog.
ResponderEliminarCaro colega:
ResponderEliminarDesde já, agradeço o teu comentário e fico contente por teres gostado.
De facto, em relação às letras maiúsculas, já a professora me tinha feito uma nota no conto propriamente dito sobre a necessidade de discriminar certas falas das personagens com letras grandes. Para ser sincera, não tenho uma razão pertinente que explique o facto de o ter feito, apenas pensei que se assim o fizesse, estaria a dar mais força à fúria do policia e muito mais ênfase ao seu carácter malévolo. Creio que se demonstrasse a sua cólera através de letras pequeninas, ia parecer que a sua raiva era muito contida e comedida. E, aqui, é exactamente o contrário. No entanto, irei rever este ponto.
Muito obrigada e continuação de um bom trabalho!
41149
Gostei muito deste conto. Revela um domínio da prosa enorme. Foi sem dúvida um dos contos que mais me impressionou a este respeito. Não há lugares-comuns nas descrições, banalidade nos diálogos nem expressões cliché. E o leitor (pelo menos este) surpreende-se a cada parágrafo com pequenos pormenores: um adjectivo, uma metáfora, uma descrição mais conseguida.
ResponderEliminarTenho, porém, algumas sugestões de alteração. A primeira prende-se com as duplas adjectivações: na expressão “de bigodes severos e expressões austeras e graves”, eu tiraria o “graves”. Primeiro porque, neste caso, trata-se de um pleonasmo; Depois, numa leitura em voz alta, atrapalha o ritmo e a frase fica demasiado longa. Outra dupla adjectivação de que não gosto muito é “choroso e emocionado”. Talvez pudesses deixar apenas o segundo.
A segunda alteração que faria é no pensamento da personagem quando está na prisão: “Vem uma pessoa prenhe de sonhos para isto…”. Alguém, ao pensar, usa a palavra “prenhe”? Duvido.
A terceira sugestão, que é um pouco mais refinada, tem a ver com a questão política. Às vezes, ainda que por breves instantes, tenho a sensação de uma “prosa política” um bocadinho forçada. Um exemplo: quando a personagem diz “Eu apenas o defendi por uma questão de justiça…”, podias tentar tornar esta ideia mais subtil. E uma coisa interessante a fazeres era omitires o nome de Marcelo Caetano, e assim todas as referências directas no conto seriam a artistas (Cesariny, Paredes e Zeca Afonso).
Depois, há um verbo do qual discordo. No momento em que a personagem chega ao local das obras, lemos “uma cara conhecida, e supliquei-lhe que me deixasse passar ali a noite”. Penso que a personagem só “suplicaria” se a cara fosse desconhecida. Se o conhece, calculo eu, não tem de suplicar, apenas pedir. É um pormenor, claro, mas não deixou de me fazer comichão.
Ainda três aspectos minuciosos: os advérbios de modo, a meu ver, ficam quase sempre mal. Gostaria mais de ler “de seguida” do que “seguidamente”. Além disso, tenho a impressão, se calhar errada, de que se escreve “principei a” e não “principiei por”. Em dois momentos cometes este erro, se não sou eu o equivocado: “principei por acendê-la” e “principiou por entoar”. Seria “por” se o verbo fosse “começar”. Talvez daí a confusão. E por fim, para acabar as minúcias, na frase “Entrei, sem que me convidasse e servi-me de uma cadeira” eu colocaria uma vírgula a seguir ao segundo verbo.
Para acabar, apenas tenho uma sugestão de alteração para o final. O refrão do conto, se assim lhe posso chamar, surge sempre entre aspas porque era o pai da personagem principal que costumava dizer. Mas seria interessante, talvez, que no último momento em que a frase é proferida, fosse nas próprias palavras de Carlos. E, por uma questão de ritmo, talvez um ponto final antes do “remate” ficasse interessante. Qualquer coisa assim: “Andei e não olhei para trás, para a sombra de espingardas negras, porque somos a palavra. E porque é assim que se fazem os homens.”
Em resumo, tudo pequenas sugestões que não alteram o que de mais forte ressalta na leitura deste conto: uma prosa fortíssima, agradável e eficaz. Obrigado.
Saudações académicas,
António Seabra
Nº 41106
Caro Colega:
ResponderEliminarAgradeço, igualmente, o teu comentário. De facto, elucidou-me imenso sobre determinadas arestas no meu conto que urgia serem polidas, sobretudo nas duplas adjectivações que faço que, na sua grande maioria, só tornam o texto mais pesado e gorducho. Em relação à dúvida que residia na conjugação do verbo, "principei" ou "principiei", penso que é mesmo "principiei" (admito que a minha pesquisa sobre isso reduziu-se a um único dicionários que me dizia que "principiei" é que está correcto, não obstante, tenho que alargar esta exploração).
Concordo com a tua sugestão de colocar a frase "porque é assim que se fazem os homens" na boca do Carlos ao invés de continuar na do seu pai. Faz mais sentido a esta altura da narração e ganha uma força surpreendente.
Obrigada, mais uma vez.
Continuação de um bom trabalho!
41149
Gostei muito do tema do teu conto e também aprecio o facto de teres agarrado numa história verídica e a ter transformado em algo muito belo. Estou certo que o protagonista (real) também gostou muito do resultado final.
ResponderEliminarSe me é permitido, a única sugestão que posso deixar é em relação à parte inicial. Para além da descrição da acção, penso que seria interessante introduzir alguns pensamentos pessoais do autor (escritor), como criticas e comentários à própria situação. Como por exemplo, quando o protagonista chega a Lisboa, qual foi a sensação e quais os pensamentos que o inundaram e quais as expectativas que tinha em relação à aquela aventura? Acredito que essas reflexões é que dão um cunho pessoal e torna mais interessante o que escrevemos, junto do leitor.
A parte final está muito boa, porque nota-se a existência de comentários do escritor e para além disso, tem um ritmo muito pautado que prende o leitor a cada acontecimento. É bom reviver e relembrar o nascimento da liberdade.
Parabéns pelo teu conto.