Nasci fruto de uma relação fugaz. Ela era uma adolescente que acreditava no amor eterno. Ele uma criatura que a iludiu com palavras bonitas. Ela enfrentou o triste destino de ter um filho naquela idade. Ele, mal soube que a sua semente tinha dado frutos, fugiu para parte incerta. No dia em que foi abandonada, a minha mãe contou aos meus avós que estava grávida. O meu avô ralhou, a minha avó gritou e a minha mãe chorou. Apesar do choque eles resolveram apoia-la durante a gravidez. Ignoraram as críticas e olhares mordazes da vizinhança e criaram-me como se de um filho me tratasse. A minha mãe e a minha avó sempre fizeram os possíveis e os impossíveis para sobreviver. Ambas tinham vários trabalhos para conseguirem trazer comida para casa. O meu avô lamentava todos os dias o combate que travara durante a guerra do ultramar e que o deixara preso àquela cadeira de rodas. Considerava-se um estorvo para nós pois em muitas situações estava dependente da nossa ajuda.
Foi este o ambiente em que cresci: sem pai, com uma mãe e uma avó que se matavam a trabalhar e um avô que se movimentava com a ajuda de duas rodas. Vivia revoltado com a ausência de pai. Interrogava-me sobre o motivo pelo qual ele tinha fugido às responsabilidades.
Uma tarde, ao vir do liceu, deparei-me com os olhar preocupado da minha mãe:
-Que se passa?
-É o teu pai… Acabou de ligar. Diz que te quer ver.
Na minha cabeça formou-se uma estranha bola de sentimentos. Por um lado, era meu pai, e eu sempre quis ter um pai. A vontade de o ver era muita. A curiosidade também : será que o meu pai também gosta de futebol? Será que ouve a mesma música que eu? Por outro lado, um sentimento de raiva apoderou-se de mim. Aparece dezasseis anos depois e pensa que está tudo bem?! Sempre sobrevivi sem pai, porque não continuar assim??
-Preciso de pensar, mãe.
-Eu sei, meu filho.
Decidi falar com o Miguel, um amigo de sempre. Expus-lhe a minha situação e pedi a sua opinião:
-Que devo fazer?
-Só tu sabes essa resposta.
-Eu sei disso, mas… como é ter um pai?
- Ter pai é poder abraçá-lo quando temos saudades. É poder ligar-lhe quando precisamos de dinheiro. É chorar quando estamos mal e gritar de alegria quando conseguimos alcançar os nossos objectivos. Ter pai é fazer de tudo para o convencer a deixar-nos sair a noite. É ter 18 num teste e ouvir da boca dele que podemos fazer melhor. Ter pai é passar horas com ele sentados no sofá a ver futebol. Ter pai é receber lições de vida. Ter pai é, acima de tudo, uma razão para se continuar a viver.
Nesse momento, tomei uma decisão. Contei-a à minha mãe mal cheguei a casa:
-Mãe, diz ao pai que amanhã à tarde me pode vir buscar.
Nessa noite, mal consegui dormir. Tinha medo de criar falsas expectativas em relação àquele ser que eu nunca tinha conhecido. Porém, era impossível não pensar que daqui a umas horas ia finalmente ter um pai.
No dia seguinte, depois das aulas, fiquei em casa à espera da sua chegada. Andei às voltas pela casa uma vez que não conseguia estar parado. Dirigi-me várias vezes à cozinha e olhei o relógio que estava por cima da porta. O tempo parecia não passar. As minhas unhas, que sempre tinham sido normais, agora não passavam de uma mistura de sangue e peles. Uma gota de suor formou-se na minha testa e deslizou pela cara a baixo até ao pescoço. E mais uma. E outra. Quando dei por mim, tinha a camisola encharcada e tive de a trocar. Ouvi um barulho e dirigi-me à porta pensando que era a campainha. No entanto, era apenas o barulho da televisão. Ao virar costas, soou finalmente o som da campainha. Abri a porta com a mão a tremer e deparei-me com um homem alto e moreno, tal como eu. Olhou-me nos olhos: -Desculpa, meu filho – e agarrou-se a mim. Sem saber o que fazer afastei-o e disse-lhe: -Sempre cresci sem pai. Se há alguém a quem tenhas de pedir desculpa, não sou eu...
A minha mãe olhava-nos com lágrimas nos olhos. Ele dirigiu-se a ela:
-Des…
- Não digas nada. Não vale a pena pedires desculpa quando sabes que nunca te vou perdoar. Enganaste-me. Mas acho que já devia estar à espera, não é? Agora só te peço uma coisa, não cometas o mesmo erro com ele!
-Não faço, nem quero fazer. Neste momento só quero que ele me dê uma oportunidade para recuperarmos o tempo perdido.
Olhei-o nos olhos:
-Não penses que regressas de repente e tudo fica bem. Sai daqui. Não te consigo perdoar.
O meu pai saiu com lágrimas nos olhos e eu corri a fechar-me no quarto. Descarreguei a minha raiva no pouco que tinha. Raiva de saber quem era o meu pai, raiva de saber que provavelmente nunca mais o ia ver e, acima de tudo, raiva de mim próprio por o ter mandado embora sem sequer ter ouvido as suas explicações.
Os meses passaram e a minha disposição não melhorou. As notas começaram a baixar pois eu dedicava todo o tempo a imaginar como seria a minha vida, se tivesse perdoado o meu pai.
Um dia, ao chegar a casa, o telefone tocou e eu atendi. Era do hospital da zona. O meu pai tinha sido atropelado. Estava mal e eu era a única família que ele tinha. Sem sequer pousar a mochila, dirigi-me para lá. Entrei no hospital e dirigi-me à recepção. Quis perguntar pelo meu pai mas nem o nome dele sabia. Dirigi-me então a uma recepcionista e perguntei:
- Deu entrada algum homem vítima de um atropelamento?
-Sim. Chegou um há cerca de duas horas. Vinha muito mal tratado. É da família?
-Hum… Sim… Sou o filho.
-Ele está no quarto 37.
Dirigi-me ao quarto e ao entrar vi um médico à cabeceira do meu pai:
-Como é que ele está?
-Este homem não morreu por pouco. Neste momento está em coma e não sabemos quando pode acordar.
As lágrimas vieram-me aos olhos. Não podia ser… não podia!
Dirigi-me ao meu pai e peguei-lhe na mão:
-Estás perdoado, pai.
Ele abriu os olhos, sorriu para mim e voltou a fechá-los.
Filipe Marques Nº41199
Este conto está bastante bem escrito, gosto da maneira como consegues
ResponderEliminardescrever as emoções, dúvidas do personagem principal, que no meio daquela
confusão que ia sentindo acabou por perdoar o pai.
Para mim, o conto enriquecia com uma maior participação de personagens
secundárias(mãe, avô, avó).
Parabéns,
Bruno jacinto nº 39099
Acabei agora de ler esta 2ªversão do conto e tenho algumas sugestões.
ResponderEliminarPrimeiro, notei que existem algumas repetições. Em "...soou finalmente o som...". Para aqui, sugiro: "Ao virar costas, a campainha finalmente soou." ou "Finalmente ouvi o som da campainha. "
Também em: "Não faço, nem quero fazer. Só quero que ele..." Penso que o "quero" poderia ser substituído por outro verbo. Por exemplo: "Só peço que ele..."
No final: "Dirigi-me ao meu pai..." E, logo se seguir: "Estás perdoado, pai." A última frase poderia ser mudada para apenas "Eu perdoo-te." Se for propositada a presença da palavra "pai" na última frase, podes modificar a primeira.
A propósito, as palavras "pai" e "olhos" aparecem demasiadas vezes!
Outros detalhes como "Entrei no hospital e dirigi-me à recepção." ou o facto de ele não ter tirado a mochila das costas antes de ele ter ido ao encontro do pai, não me parecem ser necessários para o desenvolvimento da história.
Alguns dos diálogos sofrem de falta de verosimilhança, ou seja, não consigo imaginar alguém a reagir daquela forma e a dizer aquelas palavras quando deparado com as situações do texto. Por exemplo, quando o pai o tenta abraçar, mesmo nervoso, o protagonista consegue articular uma frase tão complexa como: "-Sempre cresci sem pai. Se há alguém a quem tenhas de pedir desculpa, não sou eu... ". Esta faria sentido se já antes fosse algo marcadamente presente no seu pensamento. Mas nunca apareceu antes de forma explícita. Na minha opinião, seria muito mais simples uma frase como "Não é a mim que tens de pedir desculpa."
O mesmo se passa com a resposta da mãe. Será que ela iria acusar o pai do seu filho de a "enganar", à frente do mesmo? Se eles já tinham falado ao telefone, o leitor supõe que algumas dessas acusações já teriam sido feitas. Penso que faria sentido se ela reforçasse apenas: "Não. Só te peço que não cometas o mesmo erro com ele."
Mas tudo isto leva a outro tópico. Estas falas podem não soar tão verdadeiras quando deveriam pois não temos informação suficiente sobre a personalidade dos personagens. Sobre o pai, apenas sabemos que o abandonou. Esta informação, sendo única, leva-nos a construir uma má imagem dele, que choca com o abraço que ele tenta dar e com as palavras que usa. Será que um pai que nunca viu o filho terá confiança suficiente para se abraçar a ele de imediato? Talvez tenha, mas nós não sabemos que tipo de pessoa ele é.
O mesmo com a mãe dele. O seu diálogo seria perfeitamente verosímil se o leitor soubesse, à partida, que ela era uma mulher que falava de maneira impulsiva.
Sugiro, então, que se incluam algumas pistas ou pormenores que nos façam entrar em contacto com a personalidade de cada um deles. O que é que diferencia o teu personagem principal dos das outras histórias? O que é que o torna especial? O que é que a sua história acrescenta a todas as outras que tratam do assunto de um pai ausente?
Ao contrário do colega que comentou acima, acho que ter incluído a avó e o avô no texto teria sido apenas informação a mais, não necessária por este ser um conto. Sendo este conto sobre um dilema pessoal, não faria muito sentido dar muito destaque a pessoas que não sejam o protagonista e o pai.( A não ser que uma outra tivesse um simbolismo importante).
Gostei do final, por passar uma mensagem que apela ao acto de perdoar, mas como já disse, se nos sentíssemos mais ligados ao protagonista, este teria muito mais impacto.
Sara Nº42416
Concordo com o que a colega acima comentou, queria apenas acrescentar que acho estranho um jovem que está à espera de finalmente conhecer o seu pai e que passa os minutos anteriores a esse momento em grande agitação sem parar quieto e sem parar de olhar para as horas venha a descartar a possibilidade da reconciliação tão rapidamente. "Não penses que regressas de repente e tudo fica bem. Sai daqui. Não te consigo perdoar." Esta frase aparece não se sabe muito bem de onde. Se a mãe do rapaz tivesse feito algum comentário mais forte até se entendia que o jovem mudasse de ideias, mas a mãe apenas pede que o seu filho não saia magoado. Acho que devia existir algo nas acções do pai que levassem mais claramente a esta "explosão".
ResponderEliminar37958
O teu argumento é deveras complexo e por isso o teu esforço deve ser exaltado. Em primeiro lugar porque é difícil escapar à dimensão moral que envolve esta temática. Coisas como: "Ter pai é poder abraçá-lo quando temos saudades. É poder ligar-lhe quando precisamos de dinheiro. É chorar quando estamos mal e gritar de alegria quando conseguimos alcançar os nossos objectivos. Ter pai é fazer de tudo para o convencer a deixar-nos sair a noite. É ter 18 num teste e ouvir da boca dele que podemos fazer melhor. Ter pai é passar horas com ele sentados no sofá a ver futebol. Ter pai é receber lições de vida. Ter pai é, acima de tudo, uma razão para se continuar a viver." são bastante "perigosas", a meu ver. Claro que se trata da tua criatividade e ângulo de visão, mas acho esta passagem sobremaneira tendenciosa.
ResponderEliminarHá momentos que poderias elidir, alterar ou esmorecer. Falo especificamente da paleta emocional. "O meu avô ralhou, a minha avó gritou e a minha mãe chorou." Não é nada bonito, na minha opinião. Tenta jogar com analogias, metáforas, "poetisa" mais a tua escrita. Caso contrário, o texto apresenta-se próximo a uma descrição fácil, e comercial, da temática aflorada.
Poderias, também, deixar o final em aberto. Eu sei que o perdão é um tópico demasiado enraizado na cultura ocidental e, por isso, é difícil fugir a isso sem instalarmos uma aura anti-ética ou maniqueísta. As coisas, de facto, não têm de passar por um filtro resolúvel.
N.ª 37966