Estava tão longe, que só a sentia em pensar. Duas nuvens mais tarde reencontrá-la-ia. Caminhava, o homem, com a sombra do dia quente a arrastar-lhe o medo pelas costas. Como estaria ela? Como lhe pareceria ele? Cada passo que dava levantava uma questão, e os pés pesavam-lhe por não ter resposta, tornando-lhe o caminhar cada vez mais lento. Cruzou a rua e viu um casal enamorado sentado no passeio. Olhou o céu e a lua espreitava. Levou a mão ao bolso e retirou recordações. A sua foto. Transpirava memórias a partir do seu retrato. E despiu o casaco, porque o seu sol aquecia-o.
Chegou à casa era quase amanhã, e ela não estava. Teria faltado ao prometido? Teria desistido pelo seu atraso? Já não conseguia rebobinar os sentimentos. Sufocava da sua ausência. E, agora, que esperava reatar a relação, encontrava-se sozinho. Utilizou a chave que ela lhe dera quando ainda se amavam, abriu a porta do prédio, subiu as escadas e entrou em casa. O hall de entrada parecia-lhe mais sujo, agreste, devastado por um tufão de sensações. Olhou o mesmo espelho e viu uma cara diferente. O quão estava nublado! Levou as palmas ao rosto e vieram-lhe lágrimas às mãos. Caminhou à janela e respirou o ar da rua, enquanto gotas de água lhe caíam em cima da cabeça. E reparou que chovia. Por dentro, por fora. E, pelo tempo que tempera todo o seu feitio temperamental, pensa nela e porque ela lhe fugiu. «Escreves sensações em mim», pensou.
Caminhou até à cozinha. Aqueceu um bule de chá. Bebeu goles imprecisos de coragem. Ela era o único pássaro que lhe pousava na janela. Que lhe diria quando voltasse? Será que voltava? Sentou-se numa cadeira e olhou em volta. A mesma mesa, as mesmas prateleiras, as mesmas recordações quentes. Um papel amarrotado, deitado no chão. Pousou a chávena, como quem aceita uma sentença e agarrou nele. De a conhecer asseada, sentiu um calafrio. Deixou-se ficar perto, mais perto, sem mexer no tempo. Desdobrou-o:
‘Meu amor, perdoa a minha ausência. Está para nascer quem será mais feliz do que algumas vez fomos. Escrevo-te esta carta, enquanto as horas passam no meu relógio. Eu nunca mudarei. Para mim a hora não passa, porque eu nunca mudarei. Peço que sares a ferida que te criei nesta distância, prometo não mais te magoar. Padecerei sempre de ser igual, e longe de mim querer criar-te ferida com as minhas frustrações. Vivo as minhas horas como uma aflição. Não me consigo estabilizar. Nunca notabilizei sentimentos, meu amor. Perdoo todo o teu rancor, mas prefiro viver só.’
Deixou cair o papel ao chão, como quem salta de um precipício. Sentiu todas as portas fechadas ao redor da sua alma, e um misto de sensações apoderou-se dele. Poderia ter bebido mais do seu sorriso. Enquanto retorna, para sair, observa uma última vez o seu rosto ao espelho e procura sofrer saudade. Encontra-se tão vazio que nem sente falta, o corpo imóvel por tê-la perdido. Os seus olhos brilham, como as estrelas lá fora, procurando dar luz a um rumo novo. Desconhece-se; sente-se dorido e consumido, como gotas de água baldia que ao sol se evaporam. E, enquanto abre a porta para sair, encontra-a, entrando.
Os seus olhares vagueiam, como um carrossel que carrega histórias mudas. Ela arrepende-se com o olhar. Ele aceita as suas desculpas. E, olhando-se, como quem se conhece duma vida, beijam-se. E não se tocam. Ele sorri. Ela retribui, e molha os seus lábios, afigurando uma onda que rebola na areia de uma praia feliz.
«Acho que viver é desenhar sem borracha»
«Estás disposta a dar-me a mão neste retrato?»
Penetram-se os olhares e os lábios sorriem como aves reconfortadas em seus ninhos. Sim. E todo ele era impune e tinha uma história sem começo.
«Amo-te»
«Também te amo»
Ele não disse a verdade. Ela mentiu. Tudo o resto germinará silenciosamente no interior de cada um até nova explosão.
E então, abraçados com a eternidade, os dois amantes selaram o destino.
Aluno 40834
Bom dia!
ResponderEliminarEm primeiro lugar, tenho que elogiar a subtileza com que escreves, pois no teu discurso as palavras parecem soar tão naturais quanto a tua intenção ao escreve-las. De todos os contos que já tive oportunidade de ler, o teu é, sem dúvida, um dos meus favoritos. Proporcionas ao leitor uma sensação de leveza e bem-estar quando constróis excertos como este: "Olhou o mesmo espelho e viu uma cara diferente. O quão estava nublado! Levou as palmas ao rosto e vieram-lhe lágrimas às mãos. Caminhou à janela e respirou o ar da rua, enquanto gotas de água lhe caíam em cima da cabeça. E reparou que chovia. Por dentro, por fora."
O facto de não nomeares as personagens também cria no leitor um ideal de mistério e curiosidade, é mais um aspecto que reforça a história destes dois amantes.
Ainda assim, tenho duas sugestões a fazer-te; primeiro, penso que poderias escolher um título mais sugestivo para o conto, porque quando li o título não senti grande ligação ao resto do texto; em segundo, acho que deverias pormenorizar mais o encontro e o posterior desfecho da história entre as duas personagens.
Os meus parabéns ;)
Beijinhos,
Tânia Almeida, nº.38063